Bordado por: Zélia Melo
Você já
viu um desses armários antigos, com espirais e flores esculpidas? Este vinha da
trisavó, mas o que havia de mais estranho, no meio do armário via-se esculpido
um homem singular: tinha pernas de bode, pequenos chifres na cabeça e uma longa
barba. As crianças o chamavam de o
Grande-General-Comandante-em-Chefe-Perna-de-Bode.
Ele
estava lá, com os olhos sempre fixos no consolo colocado sob o grande espelho,
em cima do qual estava uma graciosa pastora de porcelana. Ela usava sapatos e
chapéu dourados, um vestido enfeitado com uma rosa viçosa, e um cajado. Ao lado
dela estava um pequeno limpador de chaminés, negro como carvão, e de porcelana
também. Tinham sido colocados ali, quase se tocando, e eles ficaram noivos.
Não
longe deles havia um velho chinês em porcelana que sabia balançar a cabeça. Acreditava
ser o avô da pequena pastora e foi por isso que respondeu com um amável
inclinar de cabeça ao Grande-General-Comandante-em-Chefe-Perna-de-Bode, quando
este pediu a mão da pequena pastora.
- Por
favor - disse ela chorando ao seu bem-amado - ajude-me a fugir pelo mundo.
- Já pensou
em como o mundo é grande? Talvez nunca mais possamos voltar para cá. Você tem
mesmo coragem de subir comigo? O melhor caminho é pela chaminé. Bem no alto
encontraremos um buraco pelo qual entraremos no mundo.
Ele
levou-a até a porta do fogão.
- Deus!
como é negro aqui dentro! - gritou ela. Mas o seguiu sem hesitação.
- Coragem!
Olhe lá para cima e veja que estrela maravilhosa está brilhando.
E
subiam, subiam sempre. Chegaram assim até o rebordo da chaminé. O céu com todas
as suas estrelas se estendia acima deles e os tetos da cidade apareciam lá
embaixo.
Passearam
seus olhares bem longe em volta deles, por aquele mundo que eles viam pela primeira
vez. A pequena pastora jamais pensara que o mundo fosse assim tão vasto: apoiou
a sua cabecinha no ombro do limpador de chaminés e chorou tanto, que suas
lágrimas lhe chegaram até a cintura.
- É
muito, muito maior do que eu poderia suportar. Não seria feliz se não voltasse.
Segui-o pelo mundo; agora leve-me novamente para lá, se você me ama
verdadeiramente.
O
limpador de chaminés lembrou-lhe os dias monótonos que ela passara sobre o
consolo, o velho chinês e o Grande-General-Comandante-em-Chefe-Perna-de-Bode. Mas
ela queria descer a todo custo e soluçava tão forte que ele não pôde fazer mais
do que ceder. Disseram adeus ao céu estrelado, começaram a descer a muito custo
e chegaram finalmente ao fogão.
Tudo
estava muito tranquilo. Docemente eles puseram a cabeça para fora, a fim de ver
o que havia por ali.
O velho
chinês jazia no assoalho. Caíra do consolo ao querer persegui-los e se quebrara
em três pedaços.
- É
terrível - disse a pequena pastora, apertava as suas mãozinhas - o velho avô
quebrou-se e nós é que fomos a causa!
-
Vamos, não fique triste - disse o limpador de chaminés -; se colarmos as costas
dele e pusermos uma boa atadura na nuca, ele ficará tão sólido e parecerá novo.
- Você
acha? - perguntou ela.
Eles
subiram para o consolo onde viviam há tanto tempo.
- Veja
onde chegamos - disse o limpador de chaminés, que era muito sensato - por que
fizemos tão longa viagem? Poderíamos ter poupado tanto trabalho.
O avô
foi colado e ficou como novo. Só que não podia mais mexer com a cabeça.
- O
senhor está muito bem depois da sua enfermidade – disse-lhe o
Grande-General-Comandante-em-Chefe-Perna-de-Bode -; afinal, quer me dar a mão
de sua neta ou não?
O
limpador de chaminés e a pequena pastora lançaram um olhar terno sobre o velho
chinês: sabiam que ele não poderia mover a cabeça; mas teria vergonha de
confessar que tinha uma atadura no pescoço.
Assim o
casal de porcelana pôde continuar junto e se amaram até o dia em que eles
mesmos foram quebrados.
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