Bordado por: Valéria Pimenta
Coaciaba era uma jovem índia, esbelta e
de rara beleza. Ficara viúva muito cedo, pois seu marido, valente guerreiro,
tombara sob uma flecha inimiga. Cuidava com extremo carinho da única filhinha,
Guanambi. Para aliviar a saudade interminável do marido, passeava, quando
podia, pelas margens do rio, vendo as borboletas ou na campina, perto do
roçado, onde também esvoaçavam os mais diferentes passarinhos e insetos.
De tanta tristeza, Coaciaba acabou morrendo. Não se morre
só de doença ou por velhice. Morre-se também por saudade da pessoa amada.
Guanambi, a filha, ficou totalmente sozinha.
Inconsolável, chorava muito, especialmente, nas horas em que sua mãe costumava
levá-la para passear. Mesmo pequena só queria visitar o túmulo da mãe. Não
queria mais viver. Pedia aos espíritos que viessem buscá-la e a levassem lá
onde estivesse sua mãe.
De tanta tristeza, Guanambi foi definhando dia a dia até
que morreu também. Os parentes ficaram muito penalizados com tanta desgraça,
sobrevindo sobre a mesma família.
Mas, curiosamente, seu espírito não virou borboleta como
o dos demais índios da tribo. Ficou aprisionado dentro de uma linda flor lilás,
pertinho da sepultura da mãe. Assim, podia ficar junto da mãe, como havia
pedido aos espíritos.
A mãe Coaciaba, cujo espírito fora transformado em
borboleta, esvoaçava de flor em flor, sugando néctar para se fortalecer e
encetar sua viagem ao céu.
Certo dia, ao entardecer, ziguezagueando de flor em flor,
pousou sobre uma linda flor lilás, ao sugar o néctar, ouviu o chorinho triste.
Seu coração estremeceu e quase desfaleceu de emoção. Reconheceu dentro da flor
a vozinha da filha querida, Guanambi. Como poderia estar aprisionada ali?
Refez-se de emoção e disse:
- Filha querida, mamãe está aqui com você. Fique
tranqüila que vou libertá-la para juntas voarmos ao céu.
Mas deu-se logo conta de que era uma levíssima borboleta
e que não teria forças para abrir as pétalas, romper a flor e libertar a
filhinha querida.
Recolheu-se, então, a um canto, em lágrimas, suplicou ao
espírito criador e todos os ancestrais da tribo:
- Por amor ao meu marido, valente guerreiro, morto em
defesa dos irmãos e das irmãs, por compaixão de minha filha órfã, Guanambi,
presa no coração de uma flor lilás, eu vos imploro, Espírito benfazejo e vós
todos, anciãos da nossa tribo: transformem-me num passarinho veloz e ágil,
dotado de um bico pontiagudo, para romper a flor lilás e libertar a minha
querida filhinha.
Tanto foi a compaixão despertada por Coaciaba que o
Espírito criado e aos anciãos da tribo atenderam sem delongas, a sua súplica.
Transformaram-na num belíssimo beija-flor, leve, ágil, que pousou imediatamente
sobre a flor lilás. Sussurrou, com voz carregada de enternecimento:
- Filhinha, sou eu, sua mãe. Não se assuste. Fui
transformada num beija-flor para vir libertá-la.
Com o bico pontiagudo, foi tirando com sumo cuidado,
pétala por pétala, até abrir o coração da flor. Lá estava Guanambi sorridente,
estendendo os bracinhos em direção da mãe. Purificadas, voaram alto, cada vez
mais alto até chegarem juntas ao céu.
Desde então entre indígenas amazônicos introduziu-se o
seguinte costume: sempre que morre uma criança órfã, seu corpinho é coberto de
flores lilases, como se estivesse dentro de uma grande flor, na certeza de que
a mãe na forma de um beija-flor virá buscá-la para, abraçadas, voarem para o
céu, onde estarão eternamente juntas e felizes.
(BOFF,
2001, p.106-108).
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