terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Contos do Calendário de 2014!

Segue a versão dos contos que bordamos no nosso Calendário 2014:


Peça já o seu!!
ilka@ilka.finotti.nom.br

A PASTORA E O LIMPADOR DE CHAMINÉS

Bordado por: Zélia Melo

Você já viu um desses armários antigos, com espirais e flores esculpidas? Este vinha da trisavó, mas o que havia de mais estranho, no meio do armário via-se esculpido um homem singular: tinha pernas de bode, pequenos chifres na cabeça e uma longa barba. As crianças o chamavam de o Grande-General-Comandante-em-Chefe-Perna-de-Bode.
Ele estava lá, com os olhos sempre fixos no consolo colocado sob o grande espelho, em cima do qual estava uma graciosa pastora de porcelana. Ela usava sapatos e chapéu dourados, um vestido enfeitado com uma rosa viçosa, e um cajado. Ao lado dela estava um pequeno limpador de chaminés, negro como carvão, e de porcelana também. Tinham sido colocados ali, quase se tocando, e eles ficaram noivos.
Não longe deles havia um velho chinês em porcelana que sabia balançar a cabeça. Acreditava ser o avô da pequena pastora e foi por isso que respondeu com um amável inclinar de cabeça ao Grande-General-Comandante-em-Chefe-Perna-de-Bode, quando este pediu a mão da pequena pastora.
- Por favor - disse ela chorando ao seu bem-amado - ajude-me a fugir pelo mundo.  
- Já pensou em como o mundo é grande? Talvez nunca mais possamos voltar para cá. Você tem mesmo coragem de subir comigo? O melhor caminho é pela chaminé. Bem no alto encontraremos um buraco pelo qual entraremos no mundo.
Ele levou-a até a porta do fogão.
- Deus! como é negro aqui dentro! - gritou ela. Mas o seguiu sem hesitação.
- Coragem! Olhe lá para cima e veja que estrela maravilhosa está brilhando.
E subiam, subiam sempre. Chegaram assim até o rebordo da chaminé. O céu com todas as suas estrelas se estendia acima deles e os tetos da cidade apareciam lá embaixo.
Passearam seus olhares bem longe em volta deles, por aquele mundo que eles viam pela primeira vez. A pequena pastora jamais pensara que o mundo fosse assim tão vasto: apoiou a sua cabecinha no ombro do limpador de chaminés e chorou tanto, que suas lágrimas lhe chegaram até a cintura.
- É muito, muito maior do que eu poderia suportar. Não seria feliz se não voltasse. Segui-o pelo mundo; agora leve-me novamente para lá, se você me ama verdadeiramente.
O limpador de chaminés lembrou-lhe os dias monótonos que ela passara sobre o consolo, o velho chinês e o Grande-General-Comandante-em-Chefe-Perna-de-Bode. Mas ela queria descer a todo custo e soluçava tão forte que ele não pôde fazer mais do que ceder. Disseram adeus ao céu estrelado, começaram a descer a muito custo e chegaram finalmente ao fogão.
Tudo estava muito tranquilo. Docemente eles puseram a cabeça para fora, a fim de ver o que havia por ali.
O velho chinês jazia no assoalho. Caíra do consolo ao querer persegui-los e se quebrara em três pedaços.
- É terrível - disse a pequena pastora, apertava as suas mãozinhas - o velho avô quebrou-se e nós é que fomos a causa!
- Vamos, não fique triste - disse o limpador de chaminés -; se colarmos as costas dele e pusermos uma boa atadura na nuca, ele ficará tão sólido e parecerá novo.
- Você acha? - perguntou ela.
Eles subiram para o consolo onde viviam há tanto tempo.
- Veja onde chegamos - disse o limpador de chaminés, que era muito sensato - por que fizemos tão longa viagem? Poderíamos ter poupado tanto trabalho.
O avô foi colado e ficou como novo. Só que não podia mais mexer com a cabeça.
- O senhor está muito bem depois da sua enfermidade – disse-lhe o Grande-General-Comandante-em-Chefe-Perna-de-Bode -; afinal, quer me dar a mão de sua neta ou não?
O limpador de chaminés e a pequena pastora lançaram um olhar terno sobre o velho chinês: sabiam que ele não poderia mover a cabeça; mas teria vergonha de confessar que tinha uma atadura no pescoço.

Assim o casal de porcelana pôde continuar junto e se amaram até o dia em que eles mesmos foram quebrados.

A PRINCESA E A SERPENTE

Bordado por: Neuza Oli Veira

Conto russo - Recontado por Tatiana Belinky - Livro: Ielena, a sábia dos sortilégios e outras histórias do povo russo.

Um dia, há muito tempo, um alegre cossaco cavalgava através de uma floresta escura, quando  extraviou e, perdido, andou errante dois dias e duas noites, até que, no terceiro dia, deu com um feixe de feno no meio de pequena clareira. Cansado como estava, apeou do cavalo, deitou-se ao lado do feixe e acendeu o cachimbo. Logo depois, já refeito da fadiga, tornou a montar e retomou a procura do caminho de volta para casa. Mas só se afetou um pouco, quando o vento lhe trouxe um cheiro de fumaça. Ele olhou pra trás e viu que o seu cachimbo tocara fogo no feno - e, rodeada pelas chamas, estava uma linda donzela, acuada, sem poder escapar daquele círculo infernal.
A pobre moça agitava os braços, aflita, e gritava, chorando e pedindo socorro.
- Ajuda-me, bravo cossaco, salva-me desta morte terrível!
O cossaco não sabia como chegar a ela, mas a donzela gritou:
- Tua lança é comprida estende-me a lança, eu me agarro nela e só terás de puxá-la.
Mas que depressa, ele estende-lhe a lança – mas, no instante em que a puxou, a formosa donzela transformou-se numa serpente sinuosa, que deslizou pela lança e num bote certeiro se  enroscou no pescoço do rapaz.
O cossaco tentou arrancar a cobra da sua garganta, mas não conseguiu, pois suas forças o abandonaram, e pensou que seu fim já chegara, quando de repente a cobra falou com voz humana:
- Não tenhas medo, guapo cossaco, não te farei mal algum. Mas terás de me carregar, enrolada no pescoço, durante sete anos e sete dias. E durante esse tempo todo, terás de correr mundo comigo, à procura de um certo palácio de cobre.
- Mas como poderei encontra-lo – perguntou aflito o cossaco.
- Perguntarás a todos os ventos, às tempestades de inverno, às lufadas de outono, às brisas do verão, aos zéfiros da primavera...
E o cossaco, cativo da serpente, partiu em busca do palácio de cobre, por meses e anos, interrogando todos os ventos, em longa e difícil peregrinação. Até que finalmente terminaram os setes anos e ele chegou ao sopé de alta montanha, em cujo cume reluzia esplendoroso palácio fortificado, todo de cobre vermelho, rodeado por alto muro branco.
Animado, o cossaco esporeou o cavalo e subiu a íngreme encosta, até atingir o cume, onde parou diante do muro, que não tinha portão. Mas de repente o muro se abriu sozinho, deixando-o entrar, com o seu estranho colar, e fechou-se em seguida atrás dele. E assim que o cossaco se viu no pátio da fortaleza, a cobra enroscada no seu pescoço se soltou e, caindo ao chão, transformou-se de volta na bela moça que ele salvara do fogo. Ela o levou a um aposento luxuoso, digno de um rei, e lhe disse:
- Eu sou a filha de um poderoso czar e fui vitima do feitiço de um perverso dragão. Tu, cossaco, me serviste fielmente durante sete anos, e agora só te restam sete dias de provação. Durante estes até que se cumpra o prazo do feitiço, quando ambos ficaremos livres, apenas te peço que não tentes sair antes do tempo nem te aventures além do umbral deste aposento. Se me amas, cumpre minhas ordens, como até agora, e quando se romper o encantamento, dentro de sete dias eu voltarei e ficarei contigo.
A princesa bateu no chão com seu mimoso pezinho e, transformada em serpente, deslizou silenciosamente para fora do aposento.
Sozinho, o cossaco olhou em volta e murmurou consigo: “E agora? Estou cercado de espelhos, tapeçarias e almofadas, mas não vejo sinal de comida. Em sete dias, morrerei de fome.” E mal ele disse isso, eis que apareceu uma barrica de cobre, rolou pela sua direita e logo surgiu na frente uma mesa com um banquete magnífico com pratos requintados e vinhos deliciosos. O cossaco comeu e bebeu até se fartar, e quando suspirou: “não aguento comer nem beber mais nada”, a mesa desapareceu como tinha aparecido. E o cossaco pensou:  “Deste jeito posso ficar aqui o resto da vida.” E durante seis dias, ele viveu naquele rico aposento à tripa forra. Mas, no sétimo dia, ficou impaciente e pensou: “Que mal fará se eu levar este barrilzinho de cobre, para nunca mais ter de pensar no que comerei amanhã.
E quando, na hora do almoço, o barrilzinho apareceu, o cossaco quis apanhá-lo, mas ele escapou e rolou para o aposento contíguo, aquele do umbral proibido. O cossaco correu atrás dele e o apanhou, já dentro daquele aposento. No mesmo instante ouviu-se um estrondo terrível, a montanha tremeu, o palácio de cobre desapareceu e o cossaco viu-se de repente do lado de fora, ao lado do seu cavalo e com a barrica mágica nos braços. Mas cima da sua cabeça, invisível para ele, pairava no ar o dragão, segurando entre as garras a pobre princesa-serpente.
Então, arrependido por ter desobedecido à princesa e angustiado com medo de perdê-la, o cossaco jurou procura-la por todos os reinos da terra e libertá-la do poder maligno do dragão. E ele montou no seu fiel cavalo e pôs-se a caminho, sem saber para onde.
Viajou e viajou, dia e noite durante muito tempo, até que, atravessando um bosque, encontrou-se com um estranho ancião de longa barba branca, que lhe dirigiu a palavra:
- Salve e saúde, bravo cossaco! Queres oferecer-me jantar e vinho?
O cossaco não se fez de rogado: rolou o barrilzinho de cobre e logo apareceu uma mesa carregada de iguarias e bebidas. O velho se regalou à vontade e depois perguntou ao cossaco para onde ele ia.
- Vou em busca da princesa-serpente – respondeu o rapaz. Será que tu sabes avozinho, onde ela se encontra?
- Sei, sei, meu filho. Mas não adianta nada que tu saibas onde ela está, pois jamais poderás encontra-la.
- Conta-me mesmo assim e eu te darei minha barrica mágica e te lembrarei nas minhas orações, pediu o cossaco.
- Aceito a tua oferta, disse o velho. Mas para encontrar a princesa-serpente, terás de procurar a bruxa Baba-Iaga, irmã do dragão, que todas as noites vai visita-0lo, voando no seu pilão, rápida como uma bala. Se conseguires segui-la, conseguirás o que buscas. E como foste generoso comigo, vou dar-te de presente esta espada mágica, da qual não preciso mais. Ela é poderosa, invencível e obedece a qualquer ordem, por estranha que pareça, mesmo que seja derrubar uma floresta.
O cossaco despediu-se do velho e partiu em busca da Baba-Iaga. De repente, atravessou-se em seu caminho um urso enorme. O cossaco puxou a espada para cravá-la no coração da fera, quando o urso falou com voz humana:
- Não me mates, valente cossaco, posso ser-te útil algum dia.
O cossaco compadecido embainhou a espada e seguiu em frente. E no dia seguinte, ao chegar à margem de um rio, viu na água cristalina um grande peixe. Quis vará-lo com a espada, mas o peixe falou com voz humana:
- Não me mates, valente cossaco, posso ser-te útil algum dia!
E o cossaco embainhou a espada e seguiu em frente. No dia seguinte, estava com fome e quando viu voar sobre a sua cabeça um grande falcão, quis abatê-lo com a espada, mas o falcão falou com voz humana:
- Não me mates, valente cossaco, posso ser-te útil algum dia!
E o cossaco embainhou a espada e seguiu em frente. Viajou e viajou, até que certa noite, sob a luz do luar, viu surgir, encarapitada num grande pilão e voando mais rápido que o vento, a feia bruxa Baba-Iaga, a caminho do covil do dragão. E o cossaco esporeou o seu cavalo.
- Segue-a meu bravo corcel! O pilão da bruxa voa ligeiro, mas o corcel do cossaco corre mais!
E o valente corcel galopou no encalço da bruxa, sem deixa-la adiantar-se e fugir. Até que chegaram à beira do mar azul, onde o cavalo teve de parar, enquanto a Baba-Iaga, arreganhando o seu único dente, zombava dele porque o seu pilão podia voar por cima das ondas e ele não.
Mas nesse instante, surgiu das ondas o peixe enorme e perguntou:
- Em que posso servir-te, amigo cossaco?
- Quero atravessar o mar e não perder o rastro daquela bruxa que viaja num pilão – retrucou o cossaco.
E o peixe então deu uma formidável espadanada com a sua cauda descomunal, no ato surgiu uma faiscante ponte por cima do mar. O corcel do cossaco atravessou-a num piscar de olhos, até o outro lado do mar, e a ponte desapareceu em seguida. De novo o cossaco alcançou a Baba-Iaga e a seguiu, sem perdê-la de vista, até que chegaram ao pé da um penhasco escarpado, que cavalo algum poderia escalar. A bruxa riu novamente, arreganhando o seu único dente, zombando do cossaco e do seu cavalo.
Mas eis que naquele instante baixou das alturas um imenso falcão:
- Em que posso servir-te, valente cossaco?
O cossaco disse que precisava seguir o rastro da bruxa. Então o falcão abriu as asas imensas e carregou o cossaco, com o seu cavalo, até o alto do rochedo. E de novo o cossaco e o seu cavalo emparelharam com a Baba-Iaga, seguindo-a sem perdê-la de vista. Mas só que chegaram à beira de uma floresta tão cerrada que nem um mosquito poderia vara-la.
E a bruxa tornou a zombar do cossaco, arreganhando o seu único dente, porque eles não poderiam alcança-la dessa vez. Foi quando o cossaco se lembrou da espada mágica e do que o velho lhe dissera, que ela obedecia a qualquer ordem, e gritou:
- Abre-me um caminho, espada!
E num ápice, a espada começou a derrubar as arvores da floresta, abrindo uma verdadeira estrada. Mas as arvores derrubadas caiam sobre a estrada e obstruíram inteiramente o caminho, empilhadas quase até as nuvens.
O cossaco ficou preocupado – “e agora?”. Mas nesse momento surgiu na sua frente um urso enorme como uma montanha e perguntou:
- Em que posso servir-te, valente cossaco?
O cossaco respondeu, como das outras vezes, que precisava alcançar a Baba-Iaga. E, em poucos instantes, o urso removeu todas as árvores derrubadas, abrindo um largo caminho para o cossaco e o seu cavalo. Então lhe disse:
- Bravo amigo cossaco, teus pés estão agora no limiar do reino do dragão. Todo aquele que penetra em seus domínios cai logo num sono profundo, um sono que nunca acaba. Se conseguires vencer esse sono, terás alcançado a tua meta e conquistarás a princesa-serpente.
O cossaco agradeceu ao urso e seguiu em frente. E assim que penetrou no reino do dragão, sentiu as pálpebras pesadas e percebeu que ia adormecer. Antes que isso acontecesse, ele tirou do bolso, rápido, sua caixinha de rapé, aspirou fundo e no ato começou a espirrar, um espirro mais forte que o outro, um atrás do outro, e os espirros foram tantos que espantaram aquela sonolência, tanto dele como do seu cavalo. E ele gritou bem alto:
- Ouve bem, dragão maldito, eu não estou com sono e quero  brigar! Os teus feitiços podem enfeitiçar princesas, mas não podem com um cossaco da Stan Rússia!
Com a ajuda da espada mágica, que lhe abria o caminho, ele foi entrando no covil do dragão, onde logo viu a linda princesa sentada sobre uma pedra, com a cabeça do monstro repousando no seu colo e lágrimas copiosas escorrendo dos seus lindos olhos.
- Quem ousa invadir meu reduto? – urrou o dragão. Quem se atreve a desafiar-me nos meus próprios domínios? Chegou o teu fim, cossaco atrevido!
E o dragão investiu contra o cossaco, que apenas teve tempo de gritar:
- Espeta esse monstro, espada! E a espada saltou da bainha e num ápice matou o dragão com uma única estocada.
Então o cossaco quis resgatar a donzela, mas, surpreso, viu que ela desaparecera e no seu lugar lá estava à serpente, enrodilhada na pedra.
E o cossaco exclamou triste e desapontado:
- Eu cruzei o mar azul, venci rochedos e varei florestas, matei o dragão que te mantinha cativa, e tu ainda és uma serpente!
E a cobra respondeu:
- O feitiço que me tem cativa só se romperá quando eu me banhar nas águas da fonte da vida.
- E onde encontrarei essa fonte? Perguntou o cossaco, aflito.
- Pergunta a Baba-Iaga, só ela sabe onde fica essa fonte.
O cossaco olhou em volta e viu a bruxa acocorada atrás de uma pedra. Então ele puxou a espada e ameaçou:
- Leva-me já à fonte da vida, bruxa maldita, se queres ainda viver!
E a bruxa, atemorizada, respondeu:
- Ouço e obedeço! Segue-me, valente cossaco.
A serpente enroscou-se no pescoço do cossaco, que montou no seu cavalo e seguiu a bruxa, que voava baixo no seu pilão. Logo alcançaram uma clareira num bosque, onde murmurava uma fonte cristalina que a bruxa indicou, dizendo:
- Esta é a fonte da vida.
Mas o cossaco, desconfiado, não a deixou ir embora e atirou na fonte um galho seco, que imediatamente se transformou em cinza. E o cossaco gritou para a bruxa:
- Quiseste engana-me maldita! Vais morrer por isso!
E puxou a espada, enquanto a Baba-Iaga guinchava, apavorada:
- Não me mates, vou mostrar-te a verdadeira fonte da vida!
Mostrou-lhe outra clareira, com uma fonte murmurante, e fez menção de fugir. Mas o cossaco não deixou que fugisse e fez antes outra prova: jogou outro galho seco na fonte, e o galho virou pó.
Indignado, o cossaco levantou a espada, disposta a matar a feiticeira, que implorou, apavorada e trêmula:
- Não me mates, cossaco, desta vez juro mostrar-te a autêntica fonte da vida!
-É bom que esteja dizendo a verdade, bruxa! Porque não te perdoarei pela terceira vez!
E dessa vez a bruxa conduziu-o a um bosque escuro, onde brotava por entre pedras uma clara nascente. Sempre conservando a Baba-Iaga na mira da sua espada, o cossaco fez novamente o teste do ramo seco. Quando o molhou na água da fonte, o ramo seco cobriu-se de folhas verdes, de lindas flores viçosas e frutos dourados. Então o cossaco libertou a bruxa e ela sumiu numa nuvem de fumaça.
O cossaco banhou a serpente enrolada no seu pescoço na água daquela fonte, ele se soltou da sua garganta e se transformou na bela princesa, com coroa e tudo.
A princesa segurou as mãos do cossaco nas suas brancas mãozinhas e disse, numa voz suave como música:
- Tu te redimiste da tua falta e me resgataste do feitiço  do dragão. Se me amas como eu te amo, te casarás comigo.
E ambos montaram no veloz corcel do cossaco e galoparam para o reino do czar, pai da princesa, onde foram recebidos com festas e fanfarras. No mesmo dia foi celebrado o casamento da princesa com o valente cossaco. E eles viveram felizes por muitos e muitos anos.


Livro: Ielena, a sábia dos sortilégios e outras histórias do povo russo. Autora: contos recontados por Tatiana Belinky, Editora Ática.

A ÁRVORE DA VIDA E DA MORTE

Bordado por: Vani Luiza Cipriano

Esta árvore ficava no centro da aldeia.  Dava uma sombra fresca deliciosa quando o sol ardia.
Mas, sobretudo, estava carregado de frutas singulares. Brilhosas, redondas, suculentas, deixavam escapar um caldo que lembrava mel. As mãos se estendiam espontaneamente para pegá-las. Mas, imediatamente, o gesto do adulto se interrompia, a mãe ou o pai batiam forte na mão da criança...
- Nunca, nunca mais estenderá a mão para estas frutas magníficas, nunca!
Homens e crianças buscavam a sombra da grande árvore, mas nenhuma mão colhia as frutas maravilhosas.
Com efeito, os homens sabiam, e não sabiam. A árvore tinha dois galhos mestres absolutamente idênticos. Destes dois galhos surgiam ramagens abundantes absolutamente idênticas. Estas ramagens estavam carregadas de frutas magníficas absolutamente idênticas. Mas os homens sabiam. Sabiam que um destes galhos estava carregado de frutas da vida bem doces, mais saborosas do que se podia imaginar... Sabiam que o outro galho absolutamente idêntico estava carregado de frutas da morte cheias de veneno, mais venenosas do que se podia imaginar... Sabiam aquilo. Mas não sabiam qual galho dava frutas da vida, qual galho dava frutas da morte.
Na mesma árvore, dois galhos absolutamente idênticos. Na mesma árvore, frutas da vida e frutas da morte.
Nenhuma mão colhia as frutas absolutamente idênticas, jamais, desde seus pais, desde os pais de seus pais.
Eis que um ano veio a seca, impiedosa. Os homens procuravam a sombra debaixo da árvore da vida e da morte, mas ninguém estendia a mão para as frutas magníficas. Nos campos os rebentos secavam na terra rachada. Não havia frutas nem grãos para guardar nos celeiros. Com a seca veio a fome, implacável. Os homens tremiam de fome e de calor, tremiam debaixo da árvore da vida e da morte. Mãos esqueléticas se estendiam para as frutas, quase tocando nelas às vezes... Mas o movimento era sempre interrompido.
As mulheres e os homens, os velhos e as crianças, todos estavam morrendo de morte lenta debaixo da árvore com os dois galhos absolutamente idênticos. Todos estavam agachados ou deitados, todos mortos-vivos. Lentamente a vida se apagava dentro de cada um, debaixo da árvore com as frutas absolutamente idênticas.
Então um homem se levantou e falou:
- Irmãos, agora mesmo estarei morto ou vivo. Irmãos, amanhã vocês todos estarão vivos. Irmãos, agora mesmo estarei morto ou vivo, terei provado a fruta de um dos galhos mestres. Estarei morto ou vivo mas vocês, irmãos, saberão e lembrarão para sempre qual destes dois galhos mestres está carregado de frutas da vida, qual está carregado de frutas da morte.
Sem tremer, o homem estendeu a mão, colheu uma fruta num dos galhos mestres, levou-a até sua boca e, sem pestanejar, comeu-a. Todos olhavam para ele sem falar uma palavra. O sumo escorreu dentro de sua garganta como mel, a polpa nutriu seu corpo melhor do que o nutriria qualquer grão moído. Era a fruta da vida.
Agora os homens sabiam, agora os homens podiam olhar para os dois galhos mestres absolutamente idênticos e dizer sem temor:
- É esta que está carregada de vida, aquela está carregada de morte.
As mulheres e os homens, os velhos e as crianças, todos se levantaram e estenderam a mão para as frutas da vida. Todos mataram a sede com o sumo delicioso como mel, todos se nutriram da polpa mais nutritiva do que qualquer grão moído. Todos se fartaram das frutas da vida. Todos acharam vida nova debaixo da árvore com os dois galhos absolutamente idênticos.
- Mas – disse um –, como guardaremos para sempre na memória estes dois galhos absolutamente idênticos? Qual estará sempre carregado das frutas da vida, qual estará sempre carregado das frutas da morte? Como faremos?
- Vamos cortar, arrancar, serrar – disse um. – Vamos separar os dois galhos absolutamente idênticos, isolar para sempre aquele que está sempre carregado das frutas da morte, aquele que está sempre carregado das frutas da vida.
- Vamos cortar, arrancar, serrar – disseram mulheres e homens, velhos e crianças. – Vamos separar os dois galhos absolutamente idênticos, isolar para sempre aquele que está sempre carregado das frutas da morte, aquele que está sempre carregado das frutas da vida.
Na alegria reencontrada, com a boca e a barriga saciada de suco igual ao mel e de polpa mais nutritiva do que qualquer grão moído, com cantos, danças e risos, os homens serraram o galho mau, jogaram por terra o galho que estava carregado de frutas da morte.
Deixaram a árvore com os dois galhos mestres finalmente separados; um deles, carregado de frutas da morte, por terra; o outro na árvore, carregado de frutas da vida. Saciados e contentes, todos foram deitar...
Na manhã seguinte, a árvore estava morta.


Conto francês da tradição oral

OS MÚSICOS DE BREMEN

Bordado por: Selma Fabrini


Era uma vez um burro que durante anos tinha trabalhado para um moleiro, transportando pesados sacos de grãos.Mas agora já estava velho e sem força. O seu patrão, pensando que o burro já não servia para nada, nunca mais lhe deu de comer. O burro que não queria morrer à míngua, resolveu fugir.
- Vou para Bremen, a cidade dos músicos, pensou. Já não tenho força para trabalhar, mas posso tocar. Ao longo da estrada, encontrou um cão que lhe pareceu muito cansado.
- O que te aconteceu ? Perguntou-lhe o burro.
- Sou velho e já não posso ir caçar, respondeu-lhe o cão, por isso o meu patrão que matar-me.
- Eu vou para Bremen, vou ser músico, disse-lhe o burro. Vem comigo e assim formaremos uma banda.
A ideia agradou o cão, que se juntou ao burro, e os dois seguiram caminho para Bremen.
Pouco tempo depois, encontraram um gato com os olhos cheios de lágrimas.
- O que te aconteceu? perguntaram-lhe
- Sou velho e já não consigo apanhar ratos, por isso a minha dona quer afogar-me.
- Vem para Bremen conosco, propôs o burro. Eu tocarei flauta, o cão tocará tambor e tu ajudarás a fazer serenatas.
O gato achou a ideia ótima e juntou-se ao cão e ao burro, seguindo com eles para Bremen.
Mais adiante, viram um galo que gritava em cima de uma cerca.
- O que te aconteceu? Perguntaram-lhe os três amigos.
- Estou ficando velho e na fazenda querem me assar no forno, contou o galo aflito.
- Vem para Bremen conosco, propôs-lhe o burro. Tu tens uma bela voz e nós sabemos tocar. Juntos formaremos uma banda.
O galo achou a ideia ótima e juntou-se ao cão, ao gato e ao burro, seguindo com eles para Bremen.
Mas a cidade ainda estava distante e a noite já começara a cair. Os quatro amigos, cansados e esfomeados, resolveram procurar um lugar para descansar. Junto à estrada, havia uma casa, que parecia abandonada, mas tinha uma janela iluminada. O burro aproximou-se da janela e viu um grupo de ladrões sentados à volta de uma mesa cheia de guloseimas.
Os quatro amigos resolveram então inventar um plano.
O cão subiu para o dorso do burro, o gato para o pescoço do cão e o galo voou para cima do gato.
Com o burro a comandar, puseram-se todos a cantar a plenos pulmões e, com um salto, entraram na casa, partindo a janela.
Ouvindo aquele terrível estrondo, os ladrões julgaram que lhes tinha aparecido um monstro de quatro cabeças. Fugiram apavorados, deixando para trás a mesa com todas aquelas iguarias!
Os quatro amigos pregaram-lhes uma boa peça. O seu plano resultara em perfeição!

Comeram tanto que não voltaram a pensar na viagem para Bremen e permaneceram felizes e contentes naquela casa abandonada à beira da estrada, pelo resto de suas vidas!

OS CISNES SELVAGENS

Bordado por: Regina C. Drumond

Hans Christian Andersen

Em um reino distante morava um rei com seus onze filhos e uma filha de nome Elisa. Ao ficar viúvo, o rei pensou em se casar, contraindo matrimônio com uma perversa mulher, que em pouco tempo começou a odiar os seus enteados. Ela os maltratava, continuamente, fazendo da vida deles um verdadeiro  terror. Um dia,  a madrasta determinou que Elisa fosse viver com os camponeses e , como ela era uma bruxa, transformou os meninos em onze cisnes e os mandou para bem longe.
E os anos se passaram.
Elisa tornou-se uma bela moça, e sempre pensava em seus irmãos. Quando completou os seus quinze anos de idade, voltou para o palácio de seu pai.
A madrasta, ao vê-la tão formosa e inteligente, colocou na água do banho três sapos para que Elisa se transformasse em uma moça feia, estúpida e má, entretanto Elisa era tão boa que, perto dela, os três sapos se transformaram em três papoulas vermelhas.  A madrasta furiosa untou o rosto, os cabelos e corpo da princesa com um suco escuro. Elisa ficou tão feia que, quando foi levada à presença do rei, este vê-la não a reconheceu e disse que essa não era a sua filha Elisa.
Assim, triste e solitária, ela fugiu do castelo à procura de seus irmãos. Elisa caminhava todos os dias, alimentava-se de frutos silvestres e à noite dormia embaixo de árvores que encontrava pelo caminho. Um dia ela chegou à beira de um lago cristalino e assustou a ver o reflexo de seu rosto. Assim, ela entrou na água para lavar a sua pele e os seus cabelos.  E, à tardinha, quando o sol estava se escondendo no horizonte, Elisa viu os onze cisnes brancos que traziam em suas cabeças uma coroa de ouro.
Um após o outro, os cisnes pousaram perto dela, batendo as suas grandes asas e, no exato momento em que o sol desapareceu no horizonte, eles se transformaram em onze belos rapazes. Eram os seus irmãos, que a abraçaram e lhe contaram a magia feita pela madrasta-bruxa. Ainda lhe contaram que só voltavam a ser humanos de noite, após o sol desaparecer no horizonte.
E o irmão mais velho disse a Elisa: "Nós somente poderemos vir aqui uma vez por ano, porque moramos num país distante, do outro lado do mar. Amanhã voltaremos e você irá conosco."
E assim, passaram uma noite tecendo uma rede feita com a casca flexível de um salgueiro e varinhas de juncos. Ao amanhecer colocaram Elisa na rede e,  segurando com o bico as beiradas da rede, saíram voando.  Após horas de viagem chegaram ao longínquo país, onde Elisa viu montanhas azuis, grandes florestas, cidades e palácios. Todos entraram numa gruta no meio de um bosque para dormir, enquanto Elisa rezava para encontrar uma maneira para salvar os seus irmãos.
Apenas cerrou os seus olhos, uma fada apareceu-lhe no sonho e lhe disse: "Para libertar os seus irmãos desta maldição, você vai precisar de muita coragem e perseverança. Deverá cortar folhas de urtiga, pisar nelas até que  as fibras se soltem, e com as mesmas deverá fazer  onze túnicas. Durante todo o tempo que este trabalho durar, não deverá pronunciar uma só palavra, pois caso contrário muitas desgraças recairão sobre os seus irmãos. E quando as túnicas estiverem prontas, deverá vestir os cisnes-príncipes para que voltem a ser humanos ."
Na manhã seguinte, lembrando-se do sonho, Elisa começou o seu trabalho de tecelã. As urtigas queimavam a sua pele delicada, mas ela só pensava na libertação de seus irmãos. Um dia, ela estava sozinha na gruta tecendo as túnicas, quando ouviu sons de caçadores e o ladrar de cães. Foi quando um grupo de caçadores surgiu entre as árvores, e com eles estava o rei do país.
O rei, maravilhado com a beleza de Elisa, decidiu com ela se casar e a levou para o seu palácio em seu cavalo. No palácio a vestiram com roupas maravilhosas e fizeram uma grande festa. Elisa apenas chorava sem poder falar. Finalmente, o rei a levou para seus aposentos, abriu uma porta, e Elisa viu um quarto que parecia uma gruta, onde estavam todas as urtigas que havia colhido e as túnicas que já tinha tecido.
- Aqui você poderá lembrar de sua vida como era, eu só desejo a sua felicidade, - disse-lhe  o rei. E assim pela primeira vez Elisa sorriu. Ela se tornou rainha e continuou tecendo as onze túnicas sem dizer uma única palavra e todos ali acreditavam que ela era muda. O rei era bom para ela e Elisa o amava mais a cada dia.
Alguns cortesãos com inveja do amor do rei por Elisa foram lhe dizer que a rainha não passava de uma feiticeira, mas ele não queria ouvir nada contra a esposa. Até que certa noite, quando a soberana desceu para colher as urtigas nos jardins do palácio, o rei a viu e, pensando que ela estava colhendo ervas danosas, convenceu-se de que Elisa era realmente uma bruxa.
O rei magoado entregou Elisa para ser julgada pelos seus súditos, que a condenaram a morrer queimada.  Elisa, triste e prisioneira numa cela úmida e escura, nada fez para provar a sua inocência, entretanto continuou tecendo as túnicas para os seus irmãos.
No dia em que foi conduzida para a fogueira, chegaram voando onze cisnes brancos que traziam em suas cabeças uma coroa de ouro e ficaram batendo as suas asas em volta dela. Todas as pessoas presentes se admiraram e muitos pensaram que aquilo devia ser um sinal da inocência de Elisa. Elisa, que acabara de terminar as onze túnicas, imediatamente as jogou sobre as onze aves que, naquele mesmo instante  se transformaram em onze príncipes! 
Elisa, que havia desmaiado, abriu os olhos sentindo que estava nos braços de seu esposo. Agora ela podia falar. Contou que era inocente, e como havia salvado os seus irmãos da maldição da bruxa. E assim, rodeada pelos seus onze irmãos, Elisa foi conduzida triunfalmente de volta para o palácio real onde todos viveram felizes para sempre.


O Livro dos Nossos Filhos 1959, Alfa  Ed.

MANDI – A LENDA DA MANDIOCA

Bordado por: Umeko Marubayashi

(Lenda Indígena)

Mara era uma jovem índia, filha de um cacique e vivia sonhando com o amor e um casamento feliz. Em noites quentes, enquanto todos dormiam, deitava se na rede e ficava a contemplar a lua, alimentando o seu desejo de tornar se esposa e mãe. Porém, na tribo não havia jovem algum a quem daria o seu coração.
Certa noite, Mara adormeceu na rede e teve um sonho estranho: um jovem loiro e belo descia da lua e dizia que a amava. O sonho repetiu-se muitas vezes e ela acabou por apaixonar-se. O jovem, depois de haver lhe conquistado o coração, desapareceu de seus sonhos como por encanto deixando-a mergulhada em profunda tristeza.
Passado algum tempo, a filha do cacique, embora virgem, percebeu que esperava um filho. Contou a seus pais o que lhe sucedera: a mãe deu-lhe o seu apoio mas o severo pai, não acreditando no que ouvira, passou a desprezá-la..
Passado algum tempo, Mara deu à luz a uma linda menina de pele muito alva e deram-lhe o nome de Mandi. Pouco depois, a menina adoeceu e acabou falecendo, deixando todos amargurados, exceto seu avô que nunca a aceitara. Mara sepultou a filha em sua oca por não querer se separar dela. Desconsolada, chorava todos os dias, deixando cair na sepultura o leite de seus peitos e as lágrimas de saudades; talvez assim, pensava, sua filha voltaria à vida.
Um dia perceberam que do túmulo da Mandi, rompia uma planta verde e viçosa e crescia com caules fortes fazendo a terra rachar ao seu redor. Mara pensou que, talvez, o corpo da filha desejasse sair dali. Resolveu então remover a terra, encontrando apenas raízes de casca marrom que descascadas eram muito brancas, como Mandi.
Naquela mesma noite, o jovem loiro apareceu em sonho ao cacique revelando a razão do nascimento da Mandi. Sua filha não mentira. A criança havia vindo à Terra para ter seu corpo transformado no principal alimento indígena. O jovem ensinou-lhe como preparar e cultivar o vegetal. No dia seguinte, o cacique reuniu toda a tribo e, abraçando a filha, contou a todos o que acontecera. O novo alimento recebeu o nome de MANDIOCA, pois Mani fora sepultada na oca.

De “Lendas e Mitos dos Índios Brasileiros”

Walde-Mar de Andrade e Silva

A MULHER QUE VIROU BEIJA-FLOR

Bordado por: Valéria Pimenta

Coaciaba era uma jovem índia, esbelta e de rara beleza. Ficara viúva muito cedo, pois seu marido, valente guerreiro, tombara sob uma flecha inimiga. Cuidava com extremo carinho da única filhinha, Guanambi. Para aliviar a saudade interminável do marido, passeava, quando podia, pelas margens do rio, vendo as borboletas ou na campina, perto do roçado, onde também esvoaçavam os mais diferentes passarinhos e insetos.
De tanta tristeza, Coaciaba acabou morrendo. Não se morre só de doença ou por velhice. Morre-se também por saudade da pessoa amada.
Guanambi, a filha, ficou totalmente sozinha. Inconsolável, chorava muito, especialmente, nas horas em que sua mãe costumava levá-la para passear. Mesmo pequena só queria visitar o túmulo da mãe. Não queria mais viver. Pedia aos espíritos que viessem buscá-la e a levassem lá onde estivesse sua mãe.
De tanta tristeza, Guanambi foi definhando dia a dia até que morreu também. Os parentes ficaram muito penalizados com tanta desgraça, sobrevindo sobre a mesma família.
Mas, curiosamente, seu espírito não virou borboleta como o dos demais índios da tribo. Ficou aprisionado dentro de uma linda flor lilás, pertinho da sepultura da mãe. Assim, podia ficar junto da mãe, como havia pedido aos espíritos.
A mãe Coaciaba, cujo espírito fora transformado em borboleta, esvoaçava de flor em flor, sugando néctar para se fortalecer e encetar sua viagem ao céu.
Certo dia, ao entardecer, ziguezagueando de flor em flor, pousou sobre uma linda flor lilás, ao sugar o néctar, ouviu o chorinho triste. Seu coração estremeceu e quase desfaleceu de emoção. Reconheceu dentro da flor a vozinha da filha querida, Guanambi. Como poderia estar aprisionada ali? Refez-se de emoção e disse:
- Filha querida, mamãe está aqui com você. Fique tranqüila que vou libertá-la para juntas voarmos ao céu.
Mas deu-se logo conta de que era uma levíssima borboleta e que não teria forças para abrir as pétalas, romper a flor e libertar a filhinha querida.
Recolheu-se, então, a um canto, em lágrimas, suplicou ao espírito criador e todos os ancestrais da tribo:
- Por amor ao meu marido, valente guerreiro, morto em defesa dos irmãos e das irmãs, por compaixão de minha filha órfã, Guanambi, presa no coração de uma flor lilás, eu vos imploro, Espírito benfazejo e vós todos, anciãos da nossa tribo: transformem-me num passarinho veloz e ágil, dotado de um bico pontiagudo, para romper a flor lilás e libertar a minha querida filhinha.
Tanto foi a compaixão despertada por Coaciaba que o Espírito criado e aos anciãos da tribo atenderam sem delongas, a sua súplica. Transformaram-na num belíssimo beija-flor, leve, ágil, que pousou imediatamente sobre a flor lilás. Sussurrou, com voz carregada de enternecimento:
- Filhinha, sou eu, sua mãe. Não se assuste. Fui transformada num beija-flor para vir libertá-la.
Com o bico pontiagudo, foi tirando com sumo cuidado, pétala por pétala, até abrir o coração da flor. Lá estava Guanambi sorridente, estendendo os bracinhos em direção da mãe. Purificadas, voaram alto, cada vez mais alto até chegarem juntas ao céu.
Desde então entre indígenas amazônicos introduziu-se o seguinte costume: sempre que morre uma criança órfã, seu corpinho é coberto de flores lilases, como se estivesse dentro de uma grande flor, na certeza de que a mãe na forma de um beija-flor virá buscá-la para, abraçadas, voarem para o céu, onde estarão eternamente juntas e felizes.


(BOFF, 2001, p.106-108).

AS DOZE PRINCESAS E OS SAPATINHOS DE BAILE

Bordado por: Marie-Thérèse Pfyffer

Era uma vez um rei que tinha doze filhas muito lindas. Dormiam em doze camas, todas no mesmo quarto e, quando iam para a cama, as portas eram trancadas. Todas as manhãs, porém, os seus sapatos tinham as solas gastas, como se tivessem dançado com eles toda a noite, mas ninguém descobria como isso tinha acontecido.
Então, o rei fez saber por todo o país, que se alguém pudesse descobrir onde é que as princesas iam dançar à noite, ele casaria com aquela de quem mais gostasse e seria rei, depois dele morrer. Mas quem tentasse descobrir, e ao fim de três dias e três noites não conseguisse, seria morto.
Apresentou-se logo o filho de um rei. Foi muito bem recebido e à noite levaram-no para o quarto ao lado daquele onde dormiam as princesas. Para que nada se passasse sem ele ouvir, deixaram-lhe a porta do quarto aberta. Mas o rapaz em pouco tempo adormeceu e, quando acordou de manhã, viu que as princesas tinham dançado de noite, porque as solas dos sapatos delas estavam cheias de furos. O mesmo aconteceu nas duas noites seguintes e o rei ordenou que lhe cortassem a cabeça. Depois dele vieram muitos outros, mas nenhum deles teve melhor sorte, e todos perderam a vida da mesma maneira.
Aconteceu que um pobre soldado atravessava o país onde esse rei reinava. Na floresta encontrou uma velha, que lhe perguntou para onde ele ia.
- Não sei bem, mas até queria descobrir onde é que as princesas dançam, e assim vir a ser rei.
- Bem, isso não custa muito. Basta que tenha cuidado, e não beba nada do vinho que uma das princesas lhe trará à noite. E deve fingir que está pegando no sono.
A seguir a velha deu-lhe uma capa, e disse:
- Logo que vestir essa capa, você se tornará invisível, aí poderá seguir as princesas para onde quer que elas forem.
O soldado ouviu esses bons conselhos e foi se apresentar diante do rei, que deu ordem para que lhe fossem dadas ricas vestes para ele trajar. Quando veio a noite, conduziram-no até o quarto perto do das princesas.
Na hora de deitar-se, a mais velha das princesas trouxe-lhe uma taça de vinho, mas o soldado a entornou sem que ela percebesse. Depois estendeu-se na cama e começou a roncar como se estivesse pegado no sono.
Quando as princesas o ouviram, puseram-se a rir, levantaram-se, abriram as malas e vestiram os ricos trajes que de lá tiraram. Arrumaram-se saltitando de tão contentes, mas a mais nova estava preocupada:
- Não me sinto bem. Tenho certeza de que vai suceder alguma desgraça.
- Tola, - disse a mais velha -. Já não lembra quantos filhos de reis vieram espiar em vão?
Quando ficaram prontas, foram olhar o soldado, mas ele continuava a roncar e elas julgaram-se seguras. A mais velha foi até a sua cama e bateu palmas. Devagar a cama afundou no chão, abrindo-se um grande alçapão. O soldado viu-as descendo uma a uma a escada, levantou-se em silêncio, colocou a capa invisível e seguiu-as. Mas pisou na cauda do vestido da mais nova, que gritou para as irmãs:
- Alguém me puxou o vestido!
- Que tola! - disse a mais velha- foi um prego que deve estar na madeira!
Lá foram todas descendo e, quando chegaram ao fim, encontravam-se num bosque de lindas árvores com folhas de prata. O soldado levou um raminho.
Ouvindo o estalo do galinho ao quebrar, a princesa mais nova gritou de novo de medo. Mas as irmãs riram:
- São os nossos príncipes soltando fogos para nos receberem.
Passaram depois por um bosque onde as folhas das árvores eram de ouro e finalmente por um terceiro onde tinham folhas de diamantes. O soldado ainda pegou um raminho de cada.
Chegaram finalmente a um grande lago, e, à margem, estavam encostados doze barcos, tendo dentro doze príncipes lindos, que esperavam pelas princesas. Cada uma entrou em um barco, e o soldado saltou para o barco onde ia a mais nova. O príncipe que remava disse:
- Não sei o que é, mas, apesar de estar remando com muita força, parece que vamos mais devagar que de costume, o barco hoje está muito pesado.
Do outro lado do lago estava um grande castelo, todo iluminado, de onde vinha um som de música. Desembarcaram todos, e entraram. Cada príncipe dançou com sua princesa, e o soldado invisível, dançou entre eles. Quando punham uma taça de vinho perto de uma princesa, ele bebia-a toda e ela levava à boca uma taça vazia. A irmã mais nova estava assustada, mas a mais velha fazia-a calar.
Dançaram até as três da manhã, e então tiveram que parar porque os seus sapatos estavam gastos. Os príncipes levaram-nas outra vez para o outro lado do lago, mas desta vez o soldado entrou no barco da princesa mais velha, e na margem oposta todos despediram-se combinando voltar na noite seguinte.
Quando chegaram ao pé da escada, o soldado adiantou-se e subiu primeiro, indo logo deitar-se e fingindo dormir.
As princesas ouviram-no roncar e disseram :
- Está tudo bem.
Despiram e guardaram nas malas seus trajes, tiraram os sapatos e deitaram-se.
De manhã o soldado não disse nada do que tinha visto, mas decidiu tornar a ver esta aventura. Seguiu as princesas nas outras duas noites. Na terceira noite o soldado teve o cuidado de levar consigo uma taça de ouro como prova.
Chegada a manhã, o soldado, foi levado à presença do rei. As princesas esconderam-se atrás da porta para ouvir o que ele diria. E quando o rei perguntou:
- Onde é que as minhas doze filhas dançam toda noite?
O soldado respondeu:
- Com doze príncipes num castelo debaixo da terra.
Contou ao rei tudo o que tinha sucedido e mostrou-lhe os três ramos e a taça de ouro que trouxera consigo.
O rei chamou as doze princesas e perguntou-lhes se era verdade. Vendo que o seu segredo tinha sido descoberto, elas confessaram tudo.
O rei perguntou ao soldado qual delas ele queria como esposa, ele respondeu:


- Já não sou muito novo, por isso, escolho a mais velha.
Casaram-se e o soldado ficou sendo o herdeiro do trono.

IARA, A MÃE D' ÁGUA

Bordado por: Ilka Finotti Wutke

(Lenda Indígena)

Diz a lenda que antes de se tornar uma sereia, Iara era uma belíssima índia trabalhadora e corajosa. Iara se destacava entre os demais, por ser a melhor e consequentemente despertava a inveja de alguns da tribo, especialmente a de seus irmãos homens, que não se conformavam com tal situação. Seu pai era pajé e a admirava em tudo o que fazia contribuindo ainda mais para a revolta de seus irmãos. Tomados pela inveja e pelo ciúme, os irmãos de Iara decidiram matá-la.
Certa noite, quando Iara repousava em sua cama, ouviu seus irmãos entrando em sua cabana com a intenção de matá-la. Rápida e guerreira, se defendeu e acabou os matando. Percebendo a gravidade da situação e com medo da atitude de seu pai, Iara fugiu desesperadamente pelas matas. O pai de Iara realizou uma busca implacável pela filha. Localizaram-na, e como punição pelo seu ato, foi jogada no encontro do rio Negro com Solimões. Os peixes trouxeram o corpo de Iara à superfície que sob o reflexo da lua cheia transformou-se em uma linda sereia com cabelos longos e olhos verdes.
Desde então Iara permanece nas águas atraindo os homens de maneira irresistível e os matando. Acredita-se que em cada fase da lua, Iara aparece com escamas diferentes e adora deitar-se sobre bancos de areia nos rios para brincar com os peixes. Também de acordo com a lenda, é vista penteando seus longos cabelos com um pente de ouro, mirando-se no espelho das águas.


A lenda da Iara é conhecida em várias regiões brasileiras e existem diversos relatos de pescadores que contam histórias de jovens que cederam aos encantos da tentadora sereia e morreram afogados de paixão.

RUMPELSTILTSKIN

Bordado por: Ana Deister

Era uma vez um moleiro que tinha uma filha muito bela. Um dia, o príncipe do lugar passou pela casa do moleiro, e vendo a menina, elogiou-lhe a beleza. O pai, entusiasmado, resolveu gabar-lhe as qualidades, e disse que ela, além de bela, era capaz de fiar palha e transformá-la em ouro. Como o príncipe era muito ganancioso, na mesma hora ordenou aos seus guardas que a levassem para o castelo. Lá, ele a prendeu numa torre cheia de palha, e deu-lhe um dia para que a transformasse todinha em ouro, senão, seria enforcada. Deixada a sós, ela começou a chorar. Então, apareceu diante dela um anãozinho muito esquisito e feioso:
- Por que choras, linda menina?
- Porque preciso transformar toda esta palha em ouro, ou serei enforcada.
- E o que me darás se fizer este serviço para você?
A moça tirou o colar que tinha sido herança da mãe, e entregou-o ao anão. Ele num instante sentou-se à beira da roca, e fiou toda a palha em ouro.
O príncipe ficou felicíssimo quando viu aquele monte de ouro. Então, transferiu a moça para um cômodo ainda maior, com mais palha ainda, e ordenou que ela a transformasse em ouro, senão, seria enforcada. Tudo se passou como na noite anterior. O anãozinho veio, recebeu o único anel que era lembrança da avó da moça, e fiou toda a palha em ouro. Ainda mais entusiasmado com o feito, o príncipe colocou a moça num cômodo ainda maior, e prometeu que se ela fiasse toda a palha que estava lá em ouro, ele se casaria com ela. Naquela noite, o anãozinho apareceu de novo ante as lágrimas desesperadas da moça. Como ela já não tinha mais nada a oferecer em troca dos seus serviços, fê-la prometer que lhe daria o primeiro filho depois de casada com o príncipe. Ela prometeu, porque tinha pavor de morrer enforcada. O anãozinho passou a noite toda fiando aquele monte de palha em ouro.
O príncipe cumpriu a promessa e se casou com a moça. Quando ela teve o primeiro filho, o anãozinho apareceu para cobrar a dívida. Ela chorou, implorou, arrancou os cabelos, mas nada demovia a criatura da sua decisão de levar consigo o menino. Por fim, ele concordou em deixar o menino com ela, se ela conseguisse descobrir seu nome em três dias. A moça fez uma lista interminável de nomes, e recitou-os no primeiro, depois no segundo dia, e nenhum deles, nem os mais estapafúrdios correspondiam ao do anão. Ele já se rejubilava, certo de que a criança seria dele. A moça então pediu para sua criada sair pelo reino afora anotando todos os nomes estranhos que encontrasse. Quando a criada voltou, disse não ter nenhuma novidade, mas contou que, quando passava pela floresta, tinha encontrado uma estranha criatura, como um duende, dançando em volta de uma fogueira e cantando uma estranha canção:
“ha há ha ha há
Ninguém nunca vai saber
passe frio ou passe fome
Rumpelstiltskin é meu nome!”
A moça não cabia em si de contente, porque tinha certeza de que a criada tinha encontrado o anãozinho que a estava chantageando.
No último dia, ele chegou certo de que levaria consigo a criança. A moça, para disfarçar, falou muitos nomes antes de chegar ao tal Rumpelstiltskin. Quando ela pronunciou o nome, o anãozinho ficou furioso. Rodava e gritava : “Foi o diabo que te contou! Foi o diabo que te contou!”, e rodopiava e batia o pé no chão com tanta raiva e tanta força, que acabou por fazer um buraco onde caiu e nunca mais se ouviu falar dele.

“Entrou por uma porta e saiu por um canivete
 e quem quiser que conte mais sete”

(recontado por Ana Deister)