sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Contos do Calendário 2013 - A Bela e a Fera - Janeiro


Para aqueles que gostam de uma boa estorinha, segue uma versão resumida dos contos que bordamos no nosso Calendário 2013:


A Bela e a Fera
conto francês
Há muitos anos, em uma terra distante, viviam um mercador e suas três filhas . A mais jovem era a mais linda e carinhosa, por isso era chamada de Bela.
Um dia o pai teve que viajar para longe a negócios. Reuniu as suas filhas e disse:
— Não ficarei fora por muito tempo. Quando voltar trarei presentes para todas. O que vocês querem?
As irmãs de Bela pediram coisas caras, enquanto ela permanecia quieta. O pai se voltou para ela, dizendo :
— E você, Bela, o que quer ganhar?
— Quero uma rosa, querido pai, porque neste país elas não crescem, - respondeu Bela, abraçando-o forte.
O homem partiu, conclui os seus negócios e pôs-se na estrada para a volta. Tanta era a vontade de abraçar as filhas que viajou sem parar. Mas, no meio de uma mata, foi surpreendido por uma furiosa tempestade, que lhe fez perder o caminho. Desesperado, começou a vagar em busca de uma pousada quando, de repente, avistou uma luz. Com as forças que lhe restavam dirigiu-se para lá e chegou a um magnífico palácio, o qual tinha o portão aberto e parecia convidá-lo a entrar. Descobriu um interior suntuoso, ricamente iluminado e mobiliado. O mercador ficou defronte da lareira para enxugar-se e percebeu que havia uma mesa posta para uma pessoa. Extenuado, sentou-se e esperou. Como ninguém chegava, ele se alimentou. A comida estava quente e saborosa, e o vinho delicioso. Num quarto vizinho descobriu uma cama acolhedora, onde se esticou, adormecendo logo. Ao acordar de manhã, encontrou vestimentas limpas e uma refeição farta. Descansado e satisfeito, o pai de Bela saiu do palácio, perguntando-se por que não havia encontrado ninguém. Perto do portão viu uma roseira com lindíssimas flores e, lembrando-se da promessa feita a Bela, parou e colheu a mais perfumada. Ouviu, de repente, um rugido pavoroso e viu um ser monstruoso que lhe disse:
— É assim que paga a minha hospitalidade, roubando as minhas rosas? Para castigar você, sou obrigado a matá-lo!
O mercador jogou-se de joelhos, suplicando-lhe para ao menos deixá-lo ir abraçar as filhas uma última vez. A Fera lhe fez então a seguinte proposta: emprestava-lhe um cavalo e, dentro de uma semana devia voltar, ou uma de suas filhas em seu lugar. O homem foi obrigado a aceitar. Chegando em casa, apavorado e infeliz, contou tudo para as filhas. Bela disse:
— Foi por minha causa que o senhor provocou a ira do monstro. É justo que eu vá...
De nada valeram os protestos do pai, Bela estava decidida. Passados os sete dias, partiu para o misterioso destino. Chegada à morada do monstro, encontrou tudo como lhe havia descrito o pai. Pôs-se então a visitar o palácio, onde não viu alma viva. Mas qual não foi a sua surpresa, quando leu numa belíssima porta a inscrição em letras douradas "Apartamento de Bela". Entrou e se encontrou em uma luminosa e esplêndida ala do palácio. Das janelas tinha uma encantadora vista do jardim. De noite a Fera apareceu e lhe disse com jeito gentil e suplicante:
— Sei que tenho um aspecto horrível e peço desculpas; mas não sou mau e espero que a minha companhia, um dia, possa lhe ser agradável. Por enquanto, queria que me honrasse com sua presença no jantar.
Um pouco menos temerosa, Bela compreendeu que a Fera não era tão malvada e consentiu. Depois do jantar, a Fera a pediu em casamento. Apavorada, ela recusou e fugiu para o seu quarto.
Passaram-se muitas semanas. Todas as noites jantavam juntos e a Fera fazia o mesmo pedido.  Bela sempre recusava, mas sentia cada dia mais afeição por aquele estranho ser, que sabia revelar-se muito gentil, culto e educado.
Uma noite, a Fera viu que Bela estava preocupada. Quando lhe perguntou por quê, ela disse estar com muita saudade do pai e com vontade de ir para casa. A Fera pensou um pouco, mas tanto era o amor que tinha por ela que, ao final, deixou-a ir, fazendo-a prometer que voltaria após sete dias. Quando o pai viu Bela, não acreditou nos próprios olhos, pois a imaginava já devorada pelo monstro. Cobriu-a de beijos e ela contou tudo sobre a sua vida com a Fera. As irmãs sentiram muito ciúme e impediram Bela de voltar no dia marcado.
Quando ela finalmente chegou ao palácio, procurou ansiosa pela Fera. Finalmente a encontrou, deitada perto da roseira. Estava morrendo. Então Bela a abraçou forte, chorando, e suplicou:
— Oh! não morra! Acreditava sentir por você apenas uma grande estima, mas sofro tanto que sei que amo você.
Ao ouvir estas palavras a Fera abriu os olhos e deu um sorriso radioso. Com grande espanto, Bela a viu transformar-se em um lindo jovem, o qual a olhou comovido e disse:
— Um malvado encantamento me havia preso naquele corpo monstruoso. Podia vencê-lo somente fazendo uma moça apaixonar-se e você é a escolhida. Quer casar comigo agora?
Bela não o fez repetir o pedido e a partir de então viveram felizes e apaixonados.

Sherazade e Shariar - Fevereiro


Sherazade e Shariar

conto das Mil e Uma Noites





É a história magnífica do rei Shariar da Pérsia desencantado com as mulheres e da sabedoria e perspicácia de Sherazade, filha do Vizir, que encantou ao rei e depois o mundo com suas histórias entrelaçadas, que salvou não só sua própria vida como a daquele rei entristecido que a cada manhã mandava matar a esposa.
Em sua primeira noite Sherazade faz um único pedido ao Rei – a presença de sua irmã Dinazade nas dependências nupciais. Havia combinado com ela que após a consumação do casamento ela pedisse histórias, como uma despedida. E assim ela contou a sua primeira história.
O mercador e o gênio -  Era uma vez... um mercador, dono de muitas riquezas. Certo dia saiu de sua casa a cavalo e partiu em viagem de negócios. O calor era muito forte. Resolveu apear e sentou-se sob uma árvore. Abriu seu alforje e tirou de lá suculentas tâmaras. Comeu algumas e atirou longe seus caroços. De repente, surgiu diante dele um ifrit de grande altura (ifrits são gênios conhecidos por seu péssimo humor), que gritou sacudindo uma espada:
- Levanta para que eu o mate, como matou meu filho!
O comerciante, espantadíssimo, respondeu:
- Como pude matar seu filho?
- Depois que comeu as tâmaras você atirou os caroços para o alto e foram eles que feriram meu filho no peito. Ele foi atingido e morreu na mesma hora
O mercador empalideceu e compreendeu sua situação e disse ao gênio:
- Sei que errei! Tenho obrigações a cumprir em meu país. Por Alá!  Prometo que voltarei. E você fará o que achar correto. Alá é a garantia de minha palavra.   
E o gênio confiou nele e o deixou partir.
O mercador chegou em seu país e tomou todas as providências. Despediu-se da família e voltou. No local marcado viu somente um velho xeique que conduzia uma gazela presa por uma corda.
Saudou o mercador, desejou-lhe prosperidade e perguntou:
- Qual é a causa de sua parada neste lugar freqüentado pelos gênios?”
O mercador contou-lhe o que havia acontecido. O dono da gazela ficou muito espantado e disse:
- Por Alá! Como sua fé é grande. Não deixarei este lugar. Quero ver o que irá acontecer a você.
De repente, surgiu um segundo xeique conduzindo dois cães negros. E logo em seguida surgiu um terceiro. Conduzia uma mula. Também pediram explicação. Um turbilhão de poeira se levantou e no meio dela surgiu o gênio. Trazia uma gigantesca espada, extremamente afiada. Suas pupilas soltavam faíscas. E falou com voz de trovão: - Chegou a hora de sua morte!!!!
O mercador e os três xeiques começaram a se lamentar. Nisto o primeiro xeique, dono da gazela, levantou-se e foi beijar a mão do gênio dizendo:
- Ó gênio, ó chefe dos reis dos gênios e coroa de todos eles, se eu contar minha história e a desta gazela e você gostar, em recompensa me dará um terço do sangue deste mercador?
O gênio concordou e o primeiro xeique começou a contar a sua história.
- Esta gazela, filha de um tio ficou casada comigo durante trinta anos. Mas Alá não me deu filhos. Tomei uma concubina e eu vi nascer  o mais lindo de todos os seres. Quando ele estava para completar quinze anos precisei viajar por causa de um grande negócio. Eles ficaram sob a proteção de minha esposa. Mas esta gazela foi iniciada, nas artes da feitiçaria e dos encantamentos. Transformou meu filho em bezerro e a mãe dele, em uma vaca colocando-os sob a guarda de nosso pastor. Quando voltei da viagem ela disse que a escrava havia morreu e meu filho fugira.
E durante a festa do Dia dos Sacrifícios, pedi ao pastor que me reservasse uma vaca bem gorda. Ele trouxe a encantada. Notei que o animal chorava e se lamentava. O pastou sacrificou-a e viu que ela tinha só pele e ossos. Resolvi abater um bezerro gordo. O pastor trouxe o que estava encantado. Quando me viu, o bezerro correu para mim gemeu e chorou. Tive dó do animal. Pedi que o pastor trouxesse outro. 
E foi neste instante que Sherazade ouviu o galo cantar pela primeira vez. Amanhecia no Reino da Pérsia. Calou-se. E sua irmã, Doniazade, disse:
- Minha irmã, como tuas palavras são doces, gentis e saborosas. E o pastor trouxe a outra vaca? 
E Sherazade respondeu:
- Querida irmã, eu terminarei esta primeira história como também a dos outros dois xeiques, na próxima noite, se o Rei houver por bem me preservar!
O Rei pensava:  “Não darei ordem ao carrasco enquanto não ouvir o resto desta instigante história”.
O Rei Shariar preparou-se para um dia de exaustivo trabalho junto a seus ministros. Saiu dos aposentos reais e nada falou. Não deu a terrível ordem de todas as manhãs. 
E assim Sherazade foi salva naquela primeira noite.

Vassilisa, a Bela - Março

Vassalisa, a Bela
conto russo




Num certo reino vivia um mercador, sua mulher e a filha Vassalisa. Aos oito anos esta criança presenciou a grave doença de sua mãe que, sentindo a morte se aproximar, chamou-a para dar-lhe conselhos e um presente diferente de todos os outros: uma boneca vestida como a filha: botas vermelhas, avental branco e um lindo colete colorido.
– Preste atenção! Nunca se separe desta boneca. Mantenha-a sempre com você, alimente-a e não a mostre a ninguém. Peça-lhe conselhos quando precisar. Essa é minha benção de mãe. – E com estas palavras, a respiração da mãe mergulhou nas profundezas do seu corpo, onde recolheu sua alma e saiu correndo pelos lábios; e a mãe morreu.
O tempo passou. Vassalisa e o pai choraram a grande perda. A preocupação daquele homem era dar segurança à filha quando precisasse realizar grandes viagens. Procurou por uma companheira. Foi uma tarefa fácil, pois ele além de ter bens era um homem ainda jovem e bonito. Encontrou uma viúva com duas filhas. Casou-se com ela. No inicio a madrasta e suas filhas pareciam gentis, mas... escondiam corações secos de amor. E a vida da jovem Vassalisa tornou-se um horror.
Vassilisa era a menina mais linda da aldeia, o que causava ciúmes tanto na madrasta como nas irmãs. Vassalisa tornou-se, na ausência do pai, uma serviçal das três desalmadas.
O mercador precisou viajar para longe e a madrasta aproveitou e mudou-se  para uma casa bem próxima a grande floresta, onde morava a bruxa Baba Yaga. Ninguém conseguia chegar próximo a cabana que girava sozinha sob pés de galinha. Caveiras enfeitavam suas paredes, mostrando que humanos haviam sido devorados pela bruxa, como se fossem galinhas.
A malvada madrasta mandava a menina repetidamente à floresta. Vassalisa voltava porque a boneca mostrava-lhe o caminho. Um dia as três malvadas combinaram de deixar o fogo da casa se apagar, para fazer Vassalisa entrar na floresta e pedir fogo para Baba Yaga. Assim seria morta e comida pela bruxa. E naquela noite, quando Vassalisa voltou para casa, depois de catar lenha, a casa estava às escuras. Ela estranhou mas a madrasta lhe disse  que ela era a única que poderia ir a floresta e pedir uma brasa à bruxa.
Vassalisa foi para seu quartinho, ofereceu alimento à boneca e pediu sua ajuda.  Seu conselho foi para entrar na floresta levando-a sempre consigo, pois assim estaria protegida.
E assim Vassalisa fez. A floresta estava mais escura ainda. Os gravetos estalavam sob seus pés e a jovem tremia de medo. De repente, um cavaleiro passou por ela; seu rosto era branco e seu galopante cavalo, também branco. E o dia nasceu. Mais adiante, um homem de vermelho passou montado num cavalo vermelho. E o sol apareceu. Vassalisa caminhou muito e chegou próximo a cabana da Baba Yaga. Um cavaleiro vestido de negro trotando um cavalo negro apareceu. As caveiras e os ossos ao redor da cabana se iluminaram ao mesmo tempo. A noite chegou.  Vassalisa estremeceu mas continuou onde estava.
Baba Yaga era uma criatura temível. Viajava num caldeirão que voava sozinho. Remava esse veículo com a mão de um pilão e varria seu rastro com uma vassoura feita de cabelos humanos – gente que ela havia matado e comido. Um barulho terrível ressoou pela floresta. As arvores estalaram e as folhas secas farfalharam. Baba Yaga cavalgou em seu caldeirão até  o portão gritando que estava sentindo “cheiro de carne humana”.
Vassalisa inclinou-se numa reverência e disse: – Vovó, vim pedir fogo. Está frio em minha casa... o meu pessoal vai morrer!
– E o que a fez pensar que eu lhe daria a chama?
– Porque estou pedindo, – respondeu Vassalisa (havia consultado a boneca!).
– Você tem sorte. Essa é a resposta certa, – ronronou Baba Yaga. – Mas, antes de eu lhe dar o fogo você tem de viver comigo e trabalhar para mim. Se não..., vou devorá-la.
E virando-se para o portão gritou que ele abrisse. Entrou e jogando-se sobre a cadeira foi ordenando que lhe servisse comida, muita comida, pois estava faminta. Logo deitou-se na cama mas antes deu ordens para o dia seguinte: quintal e cabana limpos, jantar pronto, roupas lavadas e o milho mofado deveria ser separado do milho bom. Ainda reafirmou que se ela não fizesse.... acabaria devorada.
Mais uma vez Vassalisa alimentou sua boneca com as migalhas que sobraram e pediu ajuda. A boneca consolou a jovem dizendo para não ter medo, deitar, orar e dormir. O travesseiro é bom companheiro.
Na manhã seguinte, Vassalisa acordou e olhou pela janela. Os olhos dos crânios estavam se fechando. O cavaleiro branco passou e o dia amanheceu. O cavaleiro vermelho passou rápido como um raio e o sol nasceu. Baba Yaga sentou-se em seu caldeirão e esporeando-o com o pilão partiu voando varrendo as nuvens que deixava pra trás, com a vassoura e o nariz servindo de biruta e o cabelo de vela.
Vassalisa viu que a casa estava limpa e organizada. Ela só cuidaria do jantar da bruxa. À noite Baba Yaga voltou e encontrou tudo arrumado. Ficou satisfeita, mas irritada e foi logo dizendo à jovem que ela era uma criatura de sorte. A bruxa gritou para seus fiéis serviçais que moessem seu trigo. Imediatamente  três pares de mãos começaram a amassar o trigo. A bruxa comeu até se fartar e antes de deitar deu as ordens costumeiras: fazer o mesmo trabalho do dia anterior e tirar a poeira de todas as sementes de papoula, grão por grão.
Dizendo isso Baba Yaga virou-se para a parede e começou a roncar e Vassalisa foi alimentar sua boneca. A boneca comeu e disse-lhe as mesmas palavras da véspera: para orar e dormir, pois o travesseiro é um bom companheiro. Mais uma vez, a boneca executou as tarefas e quando a bruxa voltou, tudo estava pronto. Examinando cada canto da cabana ela gritou:
– Meus servos fiéis, meus queridos amigos, tirem o óleo das sementes de papoula! – E novamente três pares de mãos apareceram e cumpriram a tarefa. Enquanto Baba Yaga estava besuntando os lábios na gordura. Vassalisa perguntou:
– Quem era o homem de branco no cavalo branco; o homem de vermelho no cavalo da mesma cor e o homem negro do cavalo negro?
– O homem de branco no cavalo branco era o meu Dia, – respondeu Yaga. – Ah, esse é o meu Sol Nascente. Ah, ele é minha Noite Escura. Porque não faz mais perguntas? – indagou a bruxa. – Você sabe que quem pergunta demais envelhece rápido?
Vassalisa pensou em perguntar sobre os três pares de mãos, mas a boneca começou a saltar dentro do bolso. E ela nada perguntou.
– E bom que você só tenha perguntado sobre o que viu fora de casa. Não gosto de roupa suja lavada em público. Eu devoro os curiosos. Você é muito ajuizada para sua idade, como consegue isso? perguntou a bruxa.
– Com a ajuda da benção da minha mãe, respondeu Vassalisa.
– Ah, então é isso! – guinchou Baba Yaga, benção! Vá embora, filha abençoada! Não quero saber de gente abençoada em minha casa! – Empurrou-a portão afora, pegou uma caveira com olhos esbraseados, espetou-a numa vara, deu à meninas dizendo que era o fogo que precisava.
Vassalisa correu para casa sentindo medo da luz espectral do crânio. Andou toda a noite, atravessou a floresta, com o brilho do fogo que vinha da caveira. Pensou em se desfazer da caveira, mas esta lhe disse: – Não me jogue fora, leve-me para sua madrasta.
Vassalisa chegou em casa, finalmente. A madrasta e filhas esperavam por ela desesperadamente. Estavam sem fogo. Elas não conseguiam manter o fogo acesso. Vassalisa entrou em casa, sentindo-se vitoriosa por ter sobrevivido a sua perigosa jornada e ter trazido o fogo para casa.
A caveira na vara observava cada movimento da madrasta e das duas filhas, queimando-as por dentro. De manhã, elas já tinham virado cinza.
Só Vassalisa permaneceu intocada pelo fogo.

A Pequena Vendedora de Fósforos - Abril


A Pequena Vendedora de Fósforos
Andersen






Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano.
Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas.
Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pezinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.
A menininha os perdera quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando.
Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e fugira correndo.
Depois disso a menininha caminhou de pés nus - já vermelhos e roxos de frio.
Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão.
Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel.
Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria!
Os flocos de neve lhe cobriam os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso.
Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano Novo.
Sim: nisso ela pensava!
Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior.
Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão.
O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos.
Suas mãozinhas estavam duras de frio.
Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz!
Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se.
Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha...
Que luz maravilhosa!
Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa.
Como o fogo ardia! Como era confortável!
Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado.
Riscou um segundo fósforo.
Ele ardeu e, quando a sua luz caiu em cheio na parede, ela se tornou transparente como um véu de gaze e a menininha pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a faca e o garfo espetados no peito!
Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria.
Acendeu outro fósforo e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de velas ardiam nos verdes ramos e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo.
"Alguém está morrendo", pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus.
Ela riscou outro fósforo na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna.
- Vovó! - exclamou a criança. - Oh! leva-me contigo! Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar! Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal!
E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera tão grande e tão bela. Tomou a menininha nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações - subindo para Deus.
Na esquina das duas casas, encostada na parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.
O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno cadáver.
A criança lá ficou, paralisada, um feixe inteiro de fósforos queimados.
- Queria aquecer-se - diziam os passantes.
Porém, ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que sentira no dia do Ano­ Novo.

Urashima e a Tartaruga - Maio


Urashima e a Tartaruga
conto japonês






Muitos anos atrás, no Japão, vivia um jovem pescador a beira do mar, onde as grandes ondas verdes quebravam na praia como nuvens de água salgada. Esse moço, Urashima Taro, amava a água como se fosse sua irmã, e passava muitos dias em seu bote, desde o púrpura da madrugada até o lilás do anoitecer.
Um dia, passando pela praia, ele se aproximou, curioso, de crianças agrupadas ao redor de alguma coisa, descobriu que elas estavam maltratando uma tartaruga e, ao ver aquela maldade, gritou:
- Ei amigos, não façam isto com esta tartaruga! Ela é parte da natureza e é importante para todos, deixem-na seguir o seu caminho!
O grupo logo se dispersou e Urashima pôde levar a tartaruga ferida para sua casa e cuidar dela. Quando a tartaruga ficou boa, o jovem devolveu-lhe a liberdade nas águas do mar e, imediatamente, a tartaruga nadou para as profundezas e desapareceu nas ondas.
Tempos depois, quando Urashima Taro estava pescando em alto mar, uma tartaruga se aproximou de seu barco e falou:
- Obrigado por me salvar das crianças que me feriram e, como agradecimento, lhe faço um convite de vir comigo conhecer o mundo encantado do fundo do mar. Venha encontrar meu povo, que vive milhas e milhas abaixo das ondas verdes, no Palácio do Dragão do Mar. Venha amigo e levarei você até lá em minhas costas.
Urashima aceitou e lá se foram na direção das profundezas, a tartaruga levando Urashima sobre o seu caso. Antes do anoitecer eles já haviam chegado ao Palácio do Dragão do Mar, todo feito de conchas e corais, pérolas e esmeraldas. Lá o rugido das ondas da superfície se transformara em um murmúrio trêmulo que fazia o silêncio mais doce e a luz do sol chegava como um crepúsculo. Peixes com nadadeiras de prata estavam esperando por eles.
Uma bela moça veio recebê-los, a Princesa Otohime, filha do dono do Palácio que, ao agradecer Urashima por sua bondade com a tartaruga, disse:
- Você é bem vindo e poderá ficar aqui por quanto tempo desejar.
Houve uma grande festa e danças, e a Princesa cantou para homenagear o visitante enquanto eram servidas comidas raras e deliciosas que o oceano guarda para seus filhos.
Urashima viveu um sonho de felicidade com a Princesa do Palácio do Dragão do Mar. Os dias se transformaram em semanas, as semanas em meses e Urashima se sentia tão bem no Palácio do Dragão do Mar que se esqueceu até do tempo que estava lá. Até que um dia, depois de haver passado quatro anos, ele lembrou de sua terra, desejou rever seus pais e a sua família. Ele lembrava com saudade das ruas da vila e da faixa de areia lambida pelas ondas onde costumava brincar em sua infância. Urashima não precisou falar de seu desejo à princesa pois ela já sabia de tudo, e Otohime lhe disse com tristeza:
- Tenho medo de deixá-lo ir, mas vejo que tem muita saudade de casa e de sua família. Não vou prendê-lo mas sei que você vai querer retornar ao fundo do mar. Leve então este presente, esta caixinha mágica que não deixará que nada lhe aconteça. Quando olhar para ela, lembre-se de como foi feliz aqui, mas não abra esta caixa porque, se ele for aberta, você nunca mais poderá voltar aqui para o fundo do mar.
E a Princesa lhe entregou uma caixinha de madrepérola decorada com um lindo laço de pérolas e corais. Com a caixa em mãos, Urashima Taro retornou para a praia tão conhecida de sua vila, viajando nas costas de sua amiga a tartaruga.
Ele sabia que logo depois, na baía, ficava a casa de seu pai, junto a um grande pinheiro. Mas quando foi chegando perto, não viu a casa, nem o pinheiro. Olhou ao redor e as outras casas também lhe pareceram estranhas e ele viu pessoas desconhecidas que andavam pelas ruas. Ele ficou espantado com tamanha mudança em tão pouco tempo e, quando um homem velho veio caminhando pela praia, Urashima lhe perguntou:
- Por favor, o senhor poderia me dizer onde fica a casa de Urashima?
- Urashima? - disse o velho, - Urashima! Contam que ele se afogou quando pescava e seus pais e irmãos já viveram e morreram faz anos. Isto aconteceu quatrocentos anos atrás, contam que num dia de verão como este.
Haviam passado quatrocentos anos e não quatro como Urashima pensava! E tudo que conhecia havia desaparecido! Seu pai, sua mãe, seus irmãos e seus companheiros de brincadeiras, a casa, a vila, tudo o que ele tanto amava. Sentiu-se solitário, perdido. Percebeu que precisava correr de volta ao Palácio dos Dragões que era agora seu único lar. Mas como retornar? Ele andou pela praia sem conseguir se lembrar do caminho de volta.
Finalmente, triste e desiludido, perturbado e confuso, esquecendo a promessa que fizera à princesa, ajoelhou-se na areia, pegou a caixinha de madrepérola e abriu-a. Elevou-se uma nuvem de fumaça branca e, enquanto ela se dissipava no ar, Urashima pensou ver o rosto da Princesa do Dragão. Em vão a chamou, tentou alcançá-la... a nuvem já flutuava sobre as ondas distantes, na direção do horizonte.
De repente ele sentiu um imenso cansaço. Suas mãos pareciam tremer, seu corpo se encurvou, sua pele se enrugou, seu cabelo se tornou branco. Em poucos instantes, Urashima envelheceu, sentindo-se como que unido ao passado em que fora feliz.
Quando a lua pendurou seu crescente de luz na abóboda do céu, só restavam na areia da praia uma caixinha de madrepérola e as grandes ondas verdes que abriam seus braços de espuma branca.
E haviam passado quatro centos anos.

O Pequeno Polegar - Junho


O Pequeno Polegar
Perrault






Uma família de camponeses muito pobres vivia com seus sete filhos, ainda pequenos, num povoado próximo a uma grande floresta. Naquele tempo esta região e toda a Europa passavam por dificuldades e a fome era grande. Não havia como obter alimento em lugar algum. Mas apesar de tudo as crianças eram saudáveis. O mais novo deles, de tão pequeno, ficou com o nome de Pequeno Polegar. Era esperto, sabido e tudo observava a seu redor.
O pai das crianças começou a pensar em deixar as crianças na floresta porque não havia comida suficiente em casa. A mãe ficou desesperada, mas acabou aceitando porque não tinha outra solução. Decidiram não contar nada para os filhos e ir na floresta no dia seguinte com a desculpa de buscar lenha. Pequeno Polegar, que tinha escutado toda a conversa escondido, saiu de mansinho e foi buscar umas pedrinhas brancas nas areias da margem do rio.
Saíram cedo pela manhã. Andaram muito e pegaram os gravetos que precisavam. E, aos poucos, os pais foram se afastando sem que as crianças notassem. Quando os pequenos notaram sua ausência, já era tarde. Não sabiam como voltar. Começaram a chorar. Mas Pequeno Polegar acalmou os irmãos e os levou para casa, seguindo as pedrinhas que, na vinda, havia deixado cair pelo caminho.
Quando chegaram os pais os abraçaram chorando de felicidade. E, naquele dia, o pai recebeu um dinheiro e puderam jantaram até se saciar. Mas a fome voltou tempos depois. De novo, os pais falaram em deixar os filhos na floresta. Pequeno Polegar, ouvindo a conversa, quis correr para fora... e encontrou a porta trancada. No dia seguinte, aconteceu igual da outra vez. Pequeno Polegar tinha um pedaço de pão no bolso e espalhou migalhas para marcar o caminho. De novo o pai deixou os filhos sozinhos no meio da floresta. Mas quando Pequeno Polegar quis voltar, seguindo as migalhas de pão, viu que os passarinhos tinham comido tudo.
A noite chegou e as crianças, assustadas e famintas, sentiram-se muito sós. Pequeno Polegar subiu em uma grande arvore e gritou ter visto um castelo iluminado. Seguiram alegremente para onde estava a luz. Só que eles não sabiam que ali morava um gigante enorme e feroz, na verdade um ogro. Bateram à porta e uma mulher veio atender. Sentiu pena daquelas crianças desprotegidas e sozinhas. Deixou-as entrar sabendo do risco que elas corriam: o gigante gostava de comer criancinhas! Acolheu as crianças, alimentou-as e escondeu todos em lugar bem seguro.
O gigante chegou em casa faminto e cansado. Imediatamente sentiu cheiro de carne humana! Procurou, encontrou, e as estava ajeitando para comer quando a mulher sugeriu que deixasse as crianças engordarem um pouco. Estavam muito magrinhas. O gigante concordou e disse: 
- Prepare um jantar para estes garotos, pois você sabe que gosto de crianças bem gordinhas!
Após o jantar o gigante ordenou que os meninos fossem dormir na cama ao lado de suas queridas filhas. Ele tinha sete meninas ainda pequenas que amava muito e tratava como princesas. Exigia até que usassem coroinhas de ouro.
Pequeno Polegar era muito esperto. E logo que todos estavam dormindo ele fez uma troca. Tirou os gorrinhos de lã dele e dos irmãos, trocando pelas coroinhas das meninas.  Na verdade o gigante queria mesmo comer Pequeno Polegar e seus irmãos naquela mesma noite, sem piedade! Pegou um facão e foi para o quarto. Estava tudo um escuro só e ele foi apalpando as cabeças para encontrar os meninos. Passou a mão pelas cabeças das filhas e achou os gorrinhos. E, com o facão, degolou as meninas. Assim que o ogro foi dormir, Pequeno Polegar acordou os irmãos e fugiram bem depressa.
Quando o gigante percebeu o que tinha feito,  calçou suas botas de sete léguas e saiu furioso em busca dos meninos. Correu muito, subiu e desceu montanhas, atravessou rios, olhou atrás das moitas... e nada. Mas as crianças o viram chegar e se esconderam numa rocha oca.
De tanto correr, o gigante tinha ficado exaurido, sem forças. Resolveu deitar e dar um cochilo logo na rocha onde estavam os meninos! Começou a roncar fazendo um barulho ensurdecedor. Foi aí que Pequeno Polegar saiu do esconderijo e se aproximou do gigante. Viu que as botas dele tinham algo diferente. Tirou-as e as calçou – e não é que as botas eram encantadas! Elas se  ajustaram perfeitamente ao seu tamanho. Pequeno Polegar já tinha pensado em um plano. Correu e num instante estava na casa do ogro. Chamou a mulher e falou assim:
- Depressa! Seu marido foi aprisionado por um bando de malfeitores e querem em troca ouro, jóias e pedras preciosas. O gigante me mandou buscar o que está escondido aqui. Ele até me emprestou suas botas para chegar bem rápido, antes que ele morra!
A mulher aflita entregou ao menino tudo o que possuía de mais valioso. E assim Pequeno Polegar voltou  para sua casa, acompanhado de seus irmãos e carregado de muita riqueza. Os pais os receberam com grande alegria e disseram:
- A floresta devolveu nossos filhos com uma fortuna!

A princesa e a Ervilha - Julho


A Princesa e o grão de ervilha

Andersen






Era uma vez um príncipe que queria se casar e decidiu ir pelo mundo afora buscar uma verdadeira princesa.
 Montando em seu belo cavalo ele viajou pelos reinos mais distantes, de Norte a Sul e de Este a Oeste, à procura da princesa de seus sonhos, encontrou um número incalculável de princesas, algumas muito lindas,  mas nenhuma fez seu coração bater com força.
O príncipe retornou ao seu castelo, onde seus pais o esperavam, desiludido,  pois gostaria muito de ter encontrado uma princesa de verdade.
Uma  certa noite, uma trovoada terrível sacudiu o palácio e desabou uma tempestade no reino. Eram relâmpagos iluminando o céu, raios estrondosos, vento assobiando nas arvores e um aguaceiro sem fim no castelo! Em meio aos trovões, uma pobre menina, completamente perdida,  caminhava debaixo da chuva.
 Chegou diante do palácio e bateu na porta. O rei em pessoa foi atender – os criados estavam ocupados enxugando os cômodos cujas janelas foram abertas pela tempestade – e com espanto e piedade olhou para a menina, que tremia de frio e de cansaço parada na porta do castelo.
A menina dizia ser uma princesa. Mas estava encharcada de tal modo que os seus cabelos estavam em frangalhos, as roupas grudadas ao corpo, os sapatos enlameados, as meias quase desmanchando; apesar de tudo tinha um belo aspecto.  Era difícil acreditar que fosse realmente uma princesa!
Porém, a moça tanto afirmou que era uma princesa que a rainha pensou numa forma de provar se o que dizia era verdade.
Ordenou que sua criada de confiança empilhasse muitos colchões, cobertores e lençóis no quarto das visitas e, sem que a hóspede soubesse, colocou embaixo deles um pequeno grão de ervilha verde. Aquela seria a cama da hóspede da moça que se dizia princesa.
Quando foi dormir, após um bom banho e já com roupas secas e quentes, a moça estranhou a altura da cama, mas conseguiu, com a ajuda de uma escada, se deitar.
No dia seguinte, a rainha perguntou como ela havia dormido.
– Oh! Senhora, não consegui fechar os olhos – respondeu a moça – havia qualquer coisa tão dura na minha cama que me deixou até com manchas roxas nas costas e me foi impossível dormir !
O rei, a rainha e o príncipe se olharam com surpresa e o príncipe sorriu com um ar feliz. A moça era realmente uma princesa! Somente uma princesa verdadeira teria pele tão sensível para sentir um grão de ervilha sob tantos  colchões e lençóis!
O príncipe, realizado, se casou com a princesa. A ervilha foi colocada no tesouro real e, se ninguém a roubou, ainda está por lá...
Portanto, esta é uma história real!

A Montanha de Cristal - Agosto


A Montanha de Cristal
conto norueguês






Era uma vez um homem que tinha uma mata na montanha, mas não conseguia fazer uma reserva de feno porque cada ano, na noite de São João, toda a grama sumia misteriosamente, como se um rebanho inteiro tivesse passado por lá. Finalmente, o homem perdeu a paciência e mandou o mais velho dos seus três filhos passar a noite na choupana que ali tinha e vigiar.
O filho mais velho jurou que ia vigiar tão bem que nem homem nem demônio conseguiriam roubar a grama! Deitou no chão da choupana e logo adormeceu. De repente, a meia-noite, poderosos estrondos fizeram tremer chão, paredes e teto. O moço ficou tão apavorado que saiu correndo, sem olhar para trás. E, na manhã seguinte, toda a grama tinha sumido, como sempre. No ano seguinte, o homem mandou o filho do meio. E aconteceu tudo novamente.
Quando chegou mais uma vez a noite de São João, mandaram o filho mais novo, Askeladden, que só sabia ficar deitado nas cinzas da lareira e sonhar. Os irmãos caçoaram dele:
- Logo você que não sabe fazer nada vai tomar conta da mata!
Mas ele não se importou com o que disseram e foi. Quando começou o barulho, ele pensou: “Se não piorar, acho que dá para aguentar.” Assim que tudo ficou calmo, ele saiu da choupana e deparou com o cavalo mais belo que jamais tinha visto, um alazão arreado de cobre reluzente, carregando uma armadura de cavalheiro feita de cobre também. Estava pastando com vontade. O moço se aproximou, falou-lhe ao ouvido até o cavalo o deixar montar nas suas costas. Askeladden o levou então até uma pradaria escondida nas montanhas, um lugar especial que só ele conhecia e onde o deixou.
Em casa foi acolhido com zombaria, mas disse com tranquilidade:
- Dormi até o sol nascer. Não escutei nada e não faço a mínima idéia do que pode ter amedrontado vocês.
Os irmãos se apressaram a subir na montanha mas, ao chagar na mata, ficaram espantados: a grama estava densa e alta como devia estar. Não entenderam nada. No ano seguinte, recusaram-se a ficar lá. Apenas Askeladden aceitou passar outra noite de São João na montanha. Aconteceu tudo de novo, só que os estrondos ficaram duas vezes mais poderosos. E quando tudo se acalmou, Askeladden avistou um cavalo mais belo ainda que o alazão, um baio arreado de prata, carregando uma armadura de prata rutilante. De novo, Askeladden conseguiu que o cavalo o deixasse montar e o levou para seu lugar secreto.
Na noite de São João seguinte, depois de ouvir estrondos mais poderosos ainda, quando tudo ficou calmo, Askeladden levou um maravilhoso cavalo negro, arreado de ouro e carregando uma armadura de ouro resplandecente, para o mesmo lugar.
Naquele ano, um edito real foi proclamado em todo o reino. O rei tinha uma filha, famosa pela sua beleza, e queria casá-la. Mas ela estava sentada com três maçãs de ouro no alto da Montanha de Cristal, cujas paredes verticais eram absolutamente lisas. Ao cavaleiro que buscasse as três maçãs de ouro, o rei prometia a sua filha em casamento assim como a metade de seu reino.
No dia marcado, uma multidão se reuniu ao pé da montanha pra ver o espetáculo. Príncipes e cavalheiros brilhantemente vestidos e montados tinham chegado de longe para tentar a sua sorte. Os irmãos de Askeladden também foram ver, mas se recusaram a levá-lo:
- Você é tão feio e sujo que todos vão rir de sua cara.
- Não tem problema, não estava a fim de ir mesmo.
Quando os cavaleiros começaram a subir na montanha, os cascos de seus cavalos escorregaram na parede que parecia um espelho. Tentaram horas a fio. Por fim todos estavam exaustos, os animais espumando e cobertos de suor, e nenhum tinham conseguido subir nem um metro.
O rei já ia dar ordem de interromper as tentativas, que seriam retomadas no dia seguinte, quando apareceu um cavalheiro vestindo uma armadura de bronze reluzente, montado num magnífico alazão arreado de bronze. Sem hesitar, aproximou-se da parede e começou a subir. Chegou até um terço da montanha e parou. A princesa olhou para ele, gostou do que viu e desejou que viesse até ela. Lançou-lhe uma maçã de ouro. Ele a pegou, mas fez seu cavalo dar meia-volta e foi embora, galopando tão rápido que ninguém pôde segurá-lo.
Os irmãos de Askeladden chegaram em casa excitadíssimos, falando daquele cavalheiro desconhecido.
- Bem que eu queria ver este cavaleiro.
- Pode esquecer! Fique aí na sua lareira. Nós é que vamos amanhã.
Os cavaleiros tinham trocado as ferraduras de seus cavalos e recomeçaram as suas tentativas. Em vão. Então chegou um cavalheiro vestido com uma armadura de prata rutilante, montado num magnífico baio arreado de prata. Sem hesitar, começou a subir a parede lisa e chegou até dois terços da montanha. A princesa lhe jogou outra maçã de ouro. Ele a pegou... e foi embora, galopando como o vento.
No dia seguinte, todos esperavam a chegada do cavalheiro de prata. Mas chegou um cavalheiro vestido com uma armadura de ouro resplandecente que brilhava como o sol, montado num majestoso cavalo preto arreado de ouro. Todos o acompanharam com o olhar. Viram-no alcançar o topo da montanha, pegar a terceira maçã de ouro, sentar a princesa radiante na sua frente e dar-lhe um beijo. O rei esperava ansioso para descobrir quem era o pretendente vitorioso. Mas o cavalheiro apenas entregou a princesa ao seu pai e foi embora, galopando mais rápido que o vento.
O rei mandou convocar o homem que possuía a terceira maçã de ouro ao palácio. Ninguém se apresentou.
Ordenou então que todos os homens do reino se apresentassem diante dele. Os irmãos de Askeladden foram os últimos a chegar. Disse o rei:
- Deve haver mais alguém! Nós vimos um cavalheiro pegar a maçã de ouro!
- Majestade, temos mais um irmão em casa, mas com certeza não é ele.
- Que venha aqui!
Quando Askeladden chegou, vestindo seu casaco sujo de cinzas, o rei lhe perguntou:
- Está com a terceira maçã de ouro?
- Aqui está.
Askeladden tirou do bolso todas as três maçãs. E o casaco caiu por terra, revelando o cavalheiro resplandecente na sua armadura de ouro.
O casamento de Askeladden com a princesa foi celebrado no mesmo dia. Todos foram convidados.
E foi uma bela festa porque não precisa saber subir numa montanha de cristal para saber comer, beber, divertir-se e festejar!