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Desenho: Demóstenes Vargas
Era
uma vez, a menos de mil quilômetros daqui, um alfaiate viúvo que vivia com a
filha pequena. Apesar de ser um ótimo artesão, era uma pessoa que não prestava
atenção em algumas coisas. Assim, costumava sair à rua com a mesma roupa velha,
toda esfarrapada, que usava o dia inteiro dentro de casa.
As pessoas comentavam: "Um homem
que anda tão mal vestido, não pode ser um profissional competente. Esse
alfaiate não deve ser bom".
Os comentários se espalhavam, e ninguém
mais encomendava roupas para o alfaiate, que foi ficando pobre. Um dia sua filha
disse: "Pai, não temos quase nada para comer. O senhor precisa fazer
alguma coisa, senão vamos morrer de fome".
O alfaiate foi até o sótão da casa,
onde há muito tempo guardava coisas que considerava sem utilidade. Ao remexer
nas pilhas empoeiradas descobriu que entre elas havia objetos de valor. Ele nem
se lembrava mais quando os tinha posto ali, nem por quê. Juntou uma porção
desses objetos num carrinho e foi vendê-los no mercado da cidade. Com o
dinheiro que recebeu, comprou comidas deliciosas para ele e para a sua filha.
No caminho de volta para casa viu,
pendurado na porta de uma tenda, um tecido magnífico, como nunca tinha visto.
Era inteiro bordado com fios de todas as cores do arco-íris, formando várias
figuras distintas. Nele também havia padrões ornamentais com fios de ouro e
prata entrelaçados que brilhavam à luz do sol. O alfaiate, maravilhado,
resolveu comprar aquele tecido com o dinheiro que havia sobrado.
Assim que chegou em casa, esticou o
tecido sobre a mesa, pensou um pouco, e depois cortou e costurou um belíssimo
manto que quase arrastava no chão.
Quando saiu à rua com aquele manto, as
pessoas o rodearam e perguntaram:
- Onde foi que você comprou este manto?
No Oriente, na ilha de Java?
- Não - respondeu o alfaiate. - Eu
mesmo o fiz.
- Então, nós também queremos um manto
lindo como este.
E foram levar tecidos para ele,
formando uma fila à porta de sua casa. Eram
tantas pessoas, e tantos mantos ele fez, que acabou ficando rico.
Mas
ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Ele não
tirava seu manto: costurava com ele, fazia comida, cuidava do jardim.
Passou-se muito, muito tempo. O manto
ficou velho e estragado. As pessoas, vendo-o tão mal vestido na rua, começaram
a achar que ele não devia ser um bom profissional. E deixaram de fazer
encomendas. E ele ficou pobre outra vez.
Certo dia, não tendo nada para fazer, o
alfaiate ficou observando o manto e descobriu que ainda havia um pedaço de
tecido que não estava estragado. Pôs o manto sobre a mesa, cortou as partes
rasgadas, desmanchou as costuras, pensou um pouco e fez um lindo casaco, com
uma gola enorme.
Quando saiu com o casaco, as pessoas
queriam saber:
- Onde foi que você comprou este
casaco? Na Austrália, no pólo norte?
- Não, eu mesmo o fiz.
E foram tantas encomendas de casacos,
que o alfaiate ficou rico outra vez.
Mas
continuava sendo aquele homem que não prestava atenção em algumas coisas. A
qualquer tipo de comemoração - casamento, batizado, enterro, festa de
aniversário - lá ia ele com o casaco.
Passou-se muito, muito tempo. E o
casaco ficou todo esburacado, cheio de manchas. Ninguém mais fazia encomendas.
Ele ficou pobre.
Percebendo que o casaco ainda tinha um
pedaço bom de tecido, o alfaiate o desmanchou e fez um colete tão lindo que todos
na rua lhe perguntavam:
- Onde foi que você comprou este
colete? No Afeganistão? Na Terra do Fogo?
- Não, eu mesmo o fiz.
E com tantas encomendas de coletes, o alfaiate
ficou rico, Mas, não sei se já lhes
contei, ele era uma pessoa que não
prestava atenção em algumas coisas. Não tirava o colete para nada, nem
mesmo para tomar banho.
Passou-se muito, muito tempo. E o
colete ficou em petição de miséria. Pobre mais uma vez, o alfaiate aproveitou o
pequeno pedaço de tecido do colete que ainda estava perfeito e sabem o que ele
fez? Uma gravata-borboleta. Mas não era uma gravata qualquer. Era tão linda e
brilhava tanto, que todos queriam gravatas como aquela.
Depois de muito trabalhar, ele acabou
ficando rico. Mas não deixava de ser
aquela pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Nem para dormir
ele tirava a gravata.
Passou-se muito, muito tempo. E a
gravata ficou torta, ensebada, irreconhecível. O alfaiate ficou pobre outra
vez, já que ninguém mais lhe fez encomendas.
O alfaiate ainda descobriu na gravata
um pedacinho de tecido que podia servir para alguma coisa. E então fez um
superultrabelíssimo botão, bem redondo, que costurou na sua roupa velha, no
meio de peito. Ninguém notava os farrapos que ele vestia; o botão era tão brilhante
e magnífico que todos queriam botões como aquele.
E tantos ele fez, que ficou rico.
Mas
continuava sendo aquela pessoa que não
prestava atenção em algumas coisas.
Por muito muito tempo.
E ele ficou pobre.
Desmanchou o botão e ainda sobrou um
pedacinho de tecido bem pequenininho, que conservava intactos alguns padrões de
fios dourados e prateados, entremeados com todas as cores do arco-íris, que
brilhavam intensamente.
O que o alfaiate fez com aquele pedaço
minúsculo que sobrou do magnífico tecido?
Pois o contador de histórias que narrou
este conto para mim disse que cada um de nós é que tinha que inventar no que o
alfaiate transformou aquele paninho precioso, porque esta é uma história que
continua com cada um.
Existem muitas formas de contar a
história desse alfaiate. É por causa dele e do seu botão que este conto sempre
foi lembrado e continuará sendo contado para sempre, noite e dia, em qualquer
lugar do mundo onde haja gente.
Porque sempre vão existir pessoas que
não prestam atenção em algumas coisas.
E sempre vão existir coisas que guardam
seu brilho num lugar cada vez menor e mais profundo.
In: Regina Machado. “A Formiga Aurélia e Outros
Jeitos de Ver o Mundo”.
Cia das Letrinhas, 2005.
Cia das Letrinhas, 2005.
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