segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Julho – A Lenda da Primeira Orquídea

Julho – A Lenda da Primeira Orquídea

Bordado por: Umeko Marubayashi

Autor: Conto da Indochina

Desenho: Murilo Pagani

Contato: umemaruba@yahoo.com.br

Fotografia, arte e produção: Henry Yu

 

A Lenda da Primeira Orquídea

Reza a lenda que na cidade de Anam, na Indochina, existia uma jovem chamada Hoan-Lan. Hoan-Lan se divertia fazendo com que seus numerosos adoradores sofressem de paixão.

Em busca de um sorriso, o jovem Kien-Fu tinha cinzelado o ouro mais fino e trabalhado com infinita paciência as mais lindas peças de jade. Hoan-Lan, demonstrando ingratidão, após se adornar com todos os presentes do nobre apaixonado, o desprezou aos risos. Kien-Fu, desesperado, acabou com a própria vida atirando-se ao Rio Vermelho.

O pintor Nguyen-Ba conseguiu obter cores desconhecidas para pintar o retrato de sua amada Hoan-Lan. Esta, porém, depois de ter exibido, para a satisfação de sua vaidade, a magnífica pintura, desprezou o artista. NguyenBa desapareceu para sempre no mistério das selvas.

Mai-Da, outro apaixonado, quis patentear seu amor à jovem volúvel. Inventou um delicioso perfume, somente digno dos anjos. Hoan-Lan, mais uma vez demonstrando ingratidão, perfumou-se e mandou pôr na rua o seu adorador. Mai-Da, nada mais aspirando na vida, se envenenou.

Cung-Le, com grande delicadeza, trabalhou com perseverança para incrustar nácar numa pulseira de ébano que foi recebida por Hoan-Lan. Ignorado, o pobre endoideceu.

Mas o poderoso Deus das Cinco Flechas, que a tudo via e tudo ordenava, julgou que era o momento de castigar tanta maldade, fazendo a jovem volúvel apaixonar-se pelo formoso Mun-Cay. E desde então, Hoan-Lan sonhava, no seu leito de nácar e sedas bordadas, com seu adorado, cujo nome esvoaçava sobre seus lábios de carmim, como uma borboleta sobre a rosa. Ao despertar, descia à piscina, banhava-se e adornava-se com suas joias mais preciosas para ver passar seu querido Mun-Cay, que mal se dignava a levantar os olhos para ela. Nunca tinha considerado a formosa jovem, nem se interessado pela fama de beleza que ardia à sua volta.

Os dias iam passando, e Mun-Cay não saía de sua indiferença cruel. Uma tarde, Hoan-Lan decidiu sair-lhe ao encontro e declarar-lhe paixão. – Não me interessas, rapariga! – disse ele – És como todas as outras. Para mim não vales nada. Se fosses como aquela que eu amo. Ela sim, é uma deusa. Tu, mísera Hoan-Lan, com toda tua vaidade, não serves nem para lhe atar as fitas das sandálias. E, com um sorriso desdenhoso, afastou-se.

Desesperada, Hoan-Lan lembrou-se do Deus Todo Poderoso que vivia na montanha de Tan-Vien. Talvez ele pudesse lhe ajudar. Apesar da noite escura e chuvosa, a jovem dirigiu-se ao monte sagrado, onde residia sua última esperança. A entrada do templo subterrâneo era guardada por um terrível dragão. Hoan-Lan suplicou-lhe a concessão de entrada e ao cabo de muitos pedidos conseguiu penetrar num extenso corredor, andando entre serpentes horríveis que lhe babujavam os pés nus. Quando chegou junto ao trono de ônix do poderoso gênio, prostrou-se e implorou: – Cura-me, que sofro horrorosamente. Amo Mun-Cay que me despreza.

 – É justo o castigo – respondeu o gênio – porque isso mesmo tens feito aos teus apaixonados. – Ó Todo Poderoso, tem dó de mim. Concede-me o amor de meu querido Mun-Cay. Sabes bem que não posso viver sem ele. – Vai-te daqui, – rugiu o gênio – nada conseguirás. O castigo que pesa sobre ti, foi imposto pelo Deus das Cinco Flechas, que tudo sabe. É justo que sofras. Saia do meu castelo.

Ao sair, Hoan-Lan encontrou-se com uma bruxa de pés de cabra. – Formosa jovem – disse-lhe a bruxa – sei que és muito desgraçada. Queres vingar-se de Mun-Cay? Vende-me a tua alma e juro-te que, embora MunCay não te ame, não amará a outra mulher. Hoan-Lan, com seu orgulho ferido e egoísta, aceitou a proposta da bruxa. Hoan-Lan, voltou para sua casa. Os dias se passaram. Hoan-Lan ia aos bosques para se distrais, ia às termas para relaxar, mas sempre em vão. Sua angústia e aflição não diminuíam nem findavam.

Um dia, vendo ao longe seu adorado Mun-Cay, correu para ele e, quando se preparava para abraçá-lo, o jovem foi transformado numa árvore de ébano.

 Neste momento apareceu a bruxa que, soltando uma gargalhada, lhe disse: – Desta maneira o teu amado nunca será de outra mulher.

 – Bruxa infame – exclamou chorando – o que fizeste a meu adorado? Devolva-o ou me mate! – Contratos são contratos, querida – replicou a bruxa, rindo ironicamente – Cumpri o que prometi. Mun-Cay, embora nunca te ame, não amará a outra mulher. Prometi e cumpri. A tua alma me pertence.

Hoan-Lan, abraçada ao pé da árvore, clamava desesperadamente a seu tronco imóvel. – Perdoa-me, Mun-Cay. Tem para mim uma só palavra de amor, de indulgência e compaixão. Não vês como me arrasto aos seus pés, como te abraço, como sofro! Mas a árvore nada respondia. A jovem ali ficou prostrada por muito tempo.

Uma manhã, passou por ali um gênio, que se compadeceu da sua dor. Acercando-se dela, pôs-lhe um dedo na testa e disse: – Mulher, procedeste muito mal. Foste volúvel até a crueldade e ingrata até a malvadez. Procedeste muito mal. Mas tua dor purificou a tua alma. Estás perdoada e vais deixar de sofrer. Antes que a bruxa venha buscar a tua alma, vou transformar-te numa flor. Ficarás sendo, no entanto, uma flor esquisita e requintada, que tenha a impressão do que foi a tua vida maldosa. Quem vir as tuas pétalas facilmente adivinhará o que foi o teu espírito, caprichoso, volúvel, cruel, e a tua preocupação constante pela elegância. Concedo-te ainda um bem: não te separarás do ser que adoras e viverás do seu suporte à sombra do teu amado. Enquanto o poderoso gênio falava, a túnica rósea de Hoan-Lan ia empalidecendo e tornando-se de uma delicada cor lilás. Os olhos da jovem brilharam como pontos de ouro e as suas carnes tomaram a tonalidade do nácar. Os seus formosos braços enrolaram-se na árvore na derradeira súplica.

E assim apareceu a primeira orquídea do mundo, segundo a lenda de Anam.


 

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