segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A Gata Borralheira






Era uma vez um nobre que se casou pela segunda vez com uma mulher que tinha um temperamento terrível, era orgulhosa e arrogante. Tinha duas filhas tão orgulhosas e de mau gênio quanto a mãe. O nobre, por sua vez tinha uma linda filha que era a própria doçura e bondade, ela herdara a beleza deslumbrante e o temperamento gentil de sua mãe.
Logo após o casamento a madrasta pôs a mostra o seu mau gênio. Detestava as qualidades da enteada, que faziam suas filhas parecerem ainda mais detestáveis. Incumbiu-lhe dos serviços mais pesados e grosseiros da casa. Era ela que lavava toda louça e a roupa da casa, e as escadarias, e ainda limpava e arrumava os quartos. Seu quarto agora era o sótão, enquanto sua madrasta e irmãs dormiam em aposentos luxuosos, atapetados, ricamente decorados e com amplos espelhos, onde passavam horas se olhando, alimentando a sua vaidade.
A menina suportava tudo com paciência. Não se queixava com o pai, que parecia estar enfeitiçado pela nova esposa. Todos os dias após terminar seu trabalho ela se sentava junto à lareira, no meio das cinzas, por isso todos a chamavam de Gata Borralheira. Entretanto, apesar das roupas luxuosas das filhas da madrasta, a Gata Borralheira, que usava quase trapos, era evidentemente muito mais bonita do que elas.
Certo dia o filho do rei, o príncipe, resolveu dar um baile e convidar todas as pessoas importantes do reino, e a família da Gata Borralheira por ser da nobreza estava incluída. As irmãs ficaram eufóricas, ocupadíssimas, passavam todas as suas horas a escolher roupas, sapatos, jóias e penteados com que iriam ao baile. O que significava mais e mais trabalho para a Gata Borralheira que, além de seu trabalho habitual, tinha que lavar e passar vestidos e saias cheios de babados.
- Acho que vou usar meu vestido de veludo azul com gola de renda inglesa, - dizia a mais velha.
- Vou usar minha saia bordô com meu mantô de flores douradas e meu broche de diamantes, - dizia a segunda.
Fizeram vir o melhor cabeleireiro da região para que ficasse totalmente a disposição delas, fazendo os penteados mais rebuscados. Mas, quanto mais tentavam ser elegantes, mais sua feiúra era ressaltada. A toda hora chamavam a Gata Borralheira para dar opinião, pois sabiam que tinha bom gosto. E ela, de boa vontade, deu as melhores sugestões, e elas perguntaram:
- Gata Borralheira, você gostaria de ir conosco ao baile?
- Pobre de mim! Nem tenho o que vestir. Vocês estão é zombando de mim.
- Tem razão, todos dariam boas risadas se vissem uma Gata Borralheira entrando no baile!
A Gata Borralheira, entretanto, era muito bondosa e não se ofendia, ajudando no que podia para que elas ficassem com o melhor aspecto possível. As irmãs, que estavam bem gordas, ficaram quase dois dias sem comer tentando emagrecer um pouquinho. Arrebentaram mais de uma dúzia de corpetes, de tanto apertá-los na tentativa de afinar a cintura, e passavam os dias em frente ao espelho.
Finalmente chegou o grande dia. Elas começaram a se arrumar desde as primeiras horas da manhã e quando chegou a hora, partiram. A Gata Borralheira ficou vendo-as se afastar e começou a chorar.
De repente uma luz azul encheu a cozinha e a Gata Borralheira viu aparecer uma mulher lindíssima e resplandecente.
- Eu sou a sua Fada Madrinha e venho consolar você, porque continuou a ser boa apesar dos sofrimentos. Peça-me o que quiser, que eu lhe darei.
A Gata Borralheira pensou estar sonhando e ficou muda. Então a Fada Madrinha, que tudo sabia, disse:
- Gostaria de ir ao Baile do Palácio?
- Sim, sim... isso é o que eu mais desejo neste mundo! - respondeu a jovem, suspirando profundamente.
- Está bem, eu farei com que você vá a esse baile, e como a moça mais bonita do reino! Para começar, desça ao jardim e traga-me uma abóbora!
A Gata Borralheira procurou a abóbora maior e mais bonita que pode encontrar e a levou para a madrinha, embora não conseguisse imaginar como aquela abóbora poderia ajudá-la a ir ao baile. A madrinha escavou a abóbora deixando só a casca. Depois tocou nela com sua varinha de condão e, no mesmo instante, a abóbora se transformou em uma linda carruagem toda dourada. Depois se dirigiu às ratoeiras da casa apanhando seis gordinhos camundongos. Tocou cada um deles com sua varinha transformando-os em belos cavalos de raça, assim formaram-se três belas parelhas de graciosos cavalos. Agora era preciso achar um cocheiro. A Gata Borralheira disse:
- Vou buscar Tom, o cachorro da casa, - trazendo-o logo em seguida. A madrinha o tocou com a varinha e ele se transformou em um cocheiro corpulento e com longos cabelos castanhos.
Em seguida ordenou à a Gata Borralheira:
- Vá ao jardim e lá encontrará seis lagartos atrás da torneira. Traga-os para mim.
Assim que ela os trouxe, a madrinha os transformou em seis lacaios, que rapidamente se puseram atrás da carruagem com suas librés, ficando empoleirados como se tivessem passado a vida toda fazendo isso. A fada se virou para a Gata Borralheira e disse:
- Pronto, agora você já pode ir ao baile. Está feliz?
- Estou, mas não posso chegar ao baile assim, maltrapilha!
- É mesmo, - disse a madrinha assustada, - deixe eu dar um jeito nisso!
E tocou com sua varinha nas vestes pobres da Gata Borralheira que imediatamente foram transformadas em um lindo vestido rosa claro todo bordado em prata; seus cabelos ficaram penteados, belas jóias adornaram seu pescoço e em seus pés surgiu o mais belo par de sapatinhos de cristal.
- Á meia-noite em ponto terminará o feitiço e tudo será como antes -disse-lhe a Fada Madrinha ao despedir-se dela.
Recomendou que, acima de tudo, não passasse da meia noite, pois nesse instante toda magia iria desaparecer, sua carruagem voltaria a ser abóbora, os animaizinhos voltariam a sua forma original e ela tornaria a estar vestida de trapos. A Gata Borralheira prometeu estar atenta. Então, deslumbrante, montou na carruagem e partiu, não cabendo em si de tanta alegria.
Enquanto isso, no baile, o príncipe estava desanimado, cercado de moças evidentemente interesseiras, frívolas e vazias, e saiu ao ar livre para tomar um pouco de ar, e nessa hora a Gata Borralheira chegou ao baile. Ao ver aquela lindíssima moça na carruagem, ele ficou encantado e correu para recebê-la. Deu-lhe a mão ajudando-a a descer da carruagem e a conduziu ao salão onde estavam todos os convidados. A Gata Borralheira estava igualmente encantada por ele. Quando entraram se fez um grande silêncio; todos pararam de dançar e os violinos emudeceram, tal era a atenção com que contemplavam a grande beleza da desconhecida. Todos achavam se tratar de uma princesa e só se ouvia murmúrios: “Ah, como é bela!”. O rei e a rainha a acharam encantadora.
Todos os olhos eram para ela, as damas não cansavam de examinar suas roupas e penteado, ansiosas para fazer igual. O príncipe conduziu a Gata Borralheira ao lugar de honra e depois a tirou para dançar, e ela dançava com tanta graça que a todos encantava. Comeu uma ceia maravilhosa, ficou frente a frente com suas irmãs que em nem um momento a reconheceram e estavam encantadas com ela, pensando que se tratasse de uma princesa estrangeira.
O Príncipe não deixou de dançar com ela um só momento. A Gata Borralheira estava tão envolta com o príncipe que não percebeu o tempo passar, foi quando então ouviu soar um quarto para a meia-noite. Sem pestanejar fez uma reverência e saiu correndo tão inesperada e rapidamente que o príncipe ficou sem ação. Só foi o tempo de chegar em casa e o encanto se desfez, voltando tudo a ser como era. A Gata Borralheira foi falar com a sua madrinha, contou como foi o baile, agradeceu-lhe muito e disse que gostaria muito de ir novamente ao baile do dia seguinte, pois o príncipe a convidara.
Enquanto conversava com a madrinha as irmãs e a madrasta chegaram e bateram à porta; a Gata Borralheira foi abrir.
- Como demoraram a chegar! - disse, bocejando, esfregando os olhos e se espreguiçando como se tivesse acabado de acordar.
As irmãs queriam espezinhá-la e não paravam de contar coisas magníficas sobre o baile:
- Se você tivesse ido ao baile teria visto a mais bela princesa que já apareceu neste reino, ela ficou nossa amiga, não parava de conversar conosco!
A Gata Borralheira ficou radiante ao ouvir essas palavras, e também achou muito engraçado. Perguntou o nome da princesa, mas as irmãs responderam que ninguém a conhecia e que até o príncipe estava pasmo. Ele daria qualquer coisa para saber quem era ela. A Gata Borralheira sorriu e lhes disse:
- Ela era bonita mesmo? Que sorte vocês tiveram! Ah, se eu pudesse vê-la também! Que pena!
E as irmãs começaram a rir e a debochar:
- Você, a Gata Borralheira, chegar perto de uma fina dama da corte, não nos faça rir!
No dia seguinte, ou melhor, na noite seguinte as duas irmãs e a madrasta foram no segundo baile, mas o que elas não podiam imaginar é que a Gata Borralheira também foi e ainda mais magnificamente trajada que da primeira vez. Usava um vestido verde, da cor de seus olhos, e que trazia todos os peixinhos do mar. Como na primeira noite o príncipe ficou todo o tempo junto dela e não parou de lhe sussurrar palavras doces. A jovem estava se divertindo tanto dançando com seu amado que esqueceu o conselho da sua madrinha, e foi com um grande susto que escutou soar a primeira badalada da meia-noite. Libertou-se dos braços do príncipe e fugiu célere como uma corsa, deixando cair um dos seus sapatinhos de cristal na escadaria do palácio. O príncipe a seguiu, mas não conseguiu alcançá-la. O feitiço se desfez e a Gata Borralheira chegou em casa sem fôlego, suas roupas os mesmos trapos de sempre. Sua carruagem tinha virado uma abóbora que ficou aos pedaços pelo caminho, os lacaios tinham voltado a ser os bichinhos de antes e não lhe restara nada de todo esplendor de a pouco, apenas um pé dos sapatinhos, o par do que deixara cair.
Quando as irmãs e a madrasta voltaram do baile a Gata Borralheira perguntou como foi, se tinham se divertido e se a bela dama lá estivera. Responderam que sim, mas que fugira ao toque da décima segunda badalada, e tão depressa que deixara cair um de seus sapatinhos de cristal, o mais lindo do mundo. Contaram que o filho do rei o pegara e que junto aos seus soldados saíra em busca da sua linda princesa. Tinham certeza que ele estava completamente apaixonado pela linda moça, a dona do sapatinho.
O príncipe tinha guardado o sapatinho de cristal com todo cuidado.
- A dona deste sapato de cristal é também a dona do meu coração! -disse ao Rei, seu pai.
- Quero que procurem essa jovem por todo o reino! - ordenou o Rei.
Deu ordens à guarda para procurá-la em todos os cantos, e assim foi feito, mas não se encontrou nem sombra dela. O príncipe mandou anunciar ao som de trompas que se casaria com aquela cujo pé coubesse no sapatinho. Mandou enviados por todo o reino para experimentá-lo nas princesas, depois nas duquesas e na corte inteira, mas em vão. Levaram-no então a todas as outras casas do reino. Quando chegaram à casa das duas irmãs, estas não mediram esforços para enfiarem seus pés no sapatinho, mas sem sucesso. A Gata Borralheira, que discretamente as observava, havia reconhecido seu sapatinho e disse, sorrindo:
- Deixem-me ver se serve em mim.
As irmãs começaram a rir e a caçoar dela, porém o fidalgo que fazia a prova do sapato olhou atentamente com seu olhar experiente para a Gata Borralheira e, reconhecendo sob àquelas pobres roupas a classe de uma princesa e achando-a belíssima, disse que o pedido era justo e que ele tinha ordens de experimentá-lo em todas as moças. Pediu à Gata Borralheira que se sentasse. Levou o sapato até seu pezinho e viu que cabia perfeitamente, como um molde de cera. O espanto da madrasta e das irmãs foi grande, mas maior ainda quando a Gata Borralheira tirou do bolso o outro sapatinho e o calçou. Neste instante sua Fada Madrinha entrou e, tocando-a com sua varinha, transformou os trapos da Gata Borralheira num esplêndido vestido. As duas irmãs, pasmas, perceberam que a Gata Borralheira era a linda princesa que tinham visto no baile. Jogaram-se aos seus pés para lhe pedir perdão por todos os maus tratos que a tinham feito sofrer. A Gata Borralheira perdoou tudo, abraçando-as.
Levaram a Gata Borralheira até o príncipe, suntuosamente vestida como estava. Pouco tempo depois a Gata Borralheira e o Príncipe casaram. Nunca houve um casamento tão magnífico! E os apaixonados viveram felizes, durante muitos e muitos anos.
Autor: Perrault

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