sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Vassilisa, a Bela - Março

Vassalisa, a Bela
conto russo




Num certo reino vivia um mercador, sua mulher e a filha Vassalisa. Aos oito anos esta criança presenciou a grave doença de sua mãe que, sentindo a morte se aproximar, chamou-a para dar-lhe conselhos e um presente diferente de todos os outros: uma boneca vestida como a filha: botas vermelhas, avental branco e um lindo colete colorido.
– Preste atenção! Nunca se separe desta boneca. Mantenha-a sempre com você, alimente-a e não a mostre a ninguém. Peça-lhe conselhos quando precisar. Essa é minha benção de mãe. – E com estas palavras, a respiração da mãe mergulhou nas profundezas do seu corpo, onde recolheu sua alma e saiu correndo pelos lábios; e a mãe morreu.
O tempo passou. Vassalisa e o pai choraram a grande perda. A preocupação daquele homem era dar segurança à filha quando precisasse realizar grandes viagens. Procurou por uma companheira. Foi uma tarefa fácil, pois ele além de ter bens era um homem ainda jovem e bonito. Encontrou uma viúva com duas filhas. Casou-se com ela. No inicio a madrasta e suas filhas pareciam gentis, mas... escondiam corações secos de amor. E a vida da jovem Vassalisa tornou-se um horror.
Vassilisa era a menina mais linda da aldeia, o que causava ciúmes tanto na madrasta como nas irmãs. Vassalisa tornou-se, na ausência do pai, uma serviçal das três desalmadas.
O mercador precisou viajar para longe e a madrasta aproveitou e mudou-se  para uma casa bem próxima a grande floresta, onde morava a bruxa Baba Yaga. Ninguém conseguia chegar próximo a cabana que girava sozinha sob pés de galinha. Caveiras enfeitavam suas paredes, mostrando que humanos haviam sido devorados pela bruxa, como se fossem galinhas.
A malvada madrasta mandava a menina repetidamente à floresta. Vassalisa voltava porque a boneca mostrava-lhe o caminho. Um dia as três malvadas combinaram de deixar o fogo da casa se apagar, para fazer Vassalisa entrar na floresta e pedir fogo para Baba Yaga. Assim seria morta e comida pela bruxa. E naquela noite, quando Vassalisa voltou para casa, depois de catar lenha, a casa estava às escuras. Ela estranhou mas a madrasta lhe disse  que ela era a única que poderia ir a floresta e pedir uma brasa à bruxa.
Vassalisa foi para seu quartinho, ofereceu alimento à boneca e pediu sua ajuda.  Seu conselho foi para entrar na floresta levando-a sempre consigo, pois assim estaria protegida.
E assim Vassalisa fez. A floresta estava mais escura ainda. Os gravetos estalavam sob seus pés e a jovem tremia de medo. De repente, um cavaleiro passou por ela; seu rosto era branco e seu galopante cavalo, também branco. E o dia nasceu. Mais adiante, um homem de vermelho passou montado num cavalo vermelho. E o sol apareceu. Vassalisa caminhou muito e chegou próximo a cabana da Baba Yaga. Um cavaleiro vestido de negro trotando um cavalo negro apareceu. As caveiras e os ossos ao redor da cabana se iluminaram ao mesmo tempo. A noite chegou.  Vassalisa estremeceu mas continuou onde estava.
Baba Yaga era uma criatura temível. Viajava num caldeirão que voava sozinho. Remava esse veículo com a mão de um pilão e varria seu rastro com uma vassoura feita de cabelos humanos – gente que ela havia matado e comido. Um barulho terrível ressoou pela floresta. As arvores estalaram e as folhas secas farfalharam. Baba Yaga cavalgou em seu caldeirão até  o portão gritando que estava sentindo “cheiro de carne humana”.
Vassalisa inclinou-se numa reverência e disse: – Vovó, vim pedir fogo. Está frio em minha casa... o meu pessoal vai morrer!
– E o que a fez pensar que eu lhe daria a chama?
– Porque estou pedindo, – respondeu Vassalisa (havia consultado a boneca!).
– Você tem sorte. Essa é a resposta certa, – ronronou Baba Yaga. – Mas, antes de eu lhe dar o fogo você tem de viver comigo e trabalhar para mim. Se não..., vou devorá-la.
E virando-se para o portão gritou que ele abrisse. Entrou e jogando-se sobre a cadeira foi ordenando que lhe servisse comida, muita comida, pois estava faminta. Logo deitou-se na cama mas antes deu ordens para o dia seguinte: quintal e cabana limpos, jantar pronto, roupas lavadas e o milho mofado deveria ser separado do milho bom. Ainda reafirmou que se ela não fizesse.... acabaria devorada.
Mais uma vez Vassalisa alimentou sua boneca com as migalhas que sobraram e pediu ajuda. A boneca consolou a jovem dizendo para não ter medo, deitar, orar e dormir. O travesseiro é bom companheiro.
Na manhã seguinte, Vassalisa acordou e olhou pela janela. Os olhos dos crânios estavam se fechando. O cavaleiro branco passou e o dia amanheceu. O cavaleiro vermelho passou rápido como um raio e o sol nasceu. Baba Yaga sentou-se em seu caldeirão e esporeando-o com o pilão partiu voando varrendo as nuvens que deixava pra trás, com a vassoura e o nariz servindo de biruta e o cabelo de vela.
Vassalisa viu que a casa estava limpa e organizada. Ela só cuidaria do jantar da bruxa. À noite Baba Yaga voltou e encontrou tudo arrumado. Ficou satisfeita, mas irritada e foi logo dizendo à jovem que ela era uma criatura de sorte. A bruxa gritou para seus fiéis serviçais que moessem seu trigo. Imediatamente  três pares de mãos começaram a amassar o trigo. A bruxa comeu até se fartar e antes de deitar deu as ordens costumeiras: fazer o mesmo trabalho do dia anterior e tirar a poeira de todas as sementes de papoula, grão por grão.
Dizendo isso Baba Yaga virou-se para a parede e começou a roncar e Vassalisa foi alimentar sua boneca. A boneca comeu e disse-lhe as mesmas palavras da véspera: para orar e dormir, pois o travesseiro é um bom companheiro. Mais uma vez, a boneca executou as tarefas e quando a bruxa voltou, tudo estava pronto. Examinando cada canto da cabana ela gritou:
– Meus servos fiéis, meus queridos amigos, tirem o óleo das sementes de papoula! – E novamente três pares de mãos apareceram e cumpriram a tarefa. Enquanto Baba Yaga estava besuntando os lábios na gordura. Vassalisa perguntou:
– Quem era o homem de branco no cavalo branco; o homem de vermelho no cavalo da mesma cor e o homem negro do cavalo negro?
– O homem de branco no cavalo branco era o meu Dia, – respondeu Yaga. – Ah, esse é o meu Sol Nascente. Ah, ele é minha Noite Escura. Porque não faz mais perguntas? – indagou a bruxa. – Você sabe que quem pergunta demais envelhece rápido?
Vassalisa pensou em perguntar sobre os três pares de mãos, mas a boneca começou a saltar dentro do bolso. E ela nada perguntou.
– E bom que você só tenha perguntado sobre o que viu fora de casa. Não gosto de roupa suja lavada em público. Eu devoro os curiosos. Você é muito ajuizada para sua idade, como consegue isso? perguntou a bruxa.
– Com a ajuda da benção da minha mãe, respondeu Vassalisa.
– Ah, então é isso! – guinchou Baba Yaga, benção! Vá embora, filha abençoada! Não quero saber de gente abençoada em minha casa! – Empurrou-a portão afora, pegou uma caveira com olhos esbraseados, espetou-a numa vara, deu à meninas dizendo que era o fogo que precisava.
Vassalisa correu para casa sentindo medo da luz espectral do crânio. Andou toda a noite, atravessou a floresta, com o brilho do fogo que vinha da caveira. Pensou em se desfazer da caveira, mas esta lhe disse: – Não me jogue fora, leve-me para sua madrasta.
Vassalisa chegou em casa, finalmente. A madrasta e filhas esperavam por ela desesperadamente. Estavam sem fogo. Elas não conseguiam manter o fogo acesso. Vassalisa entrou em casa, sentindo-se vitoriosa por ter sobrevivido a sua perigosa jornada e ter trazido o fogo para casa.
A caveira na vara observava cada movimento da madrasta e das duas filhas, queimando-as por dentro. De manhã, elas já tinham virado cinza.
Só Vassalisa permaneceu intocada pelo fogo.

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