sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Soldadinho de Chumbo - Dezembro

O Soldadinho de Chumbo
Andersen



 Numa loja de brinquedos havia uma caixa de papelão com vinte e cinco soldadinhos de chumbo, todos iguaizinhos, bonitos e elegantes, pois haviam sido feitos com o mesmo molde. Apenas um deles era perneta: como fora o último a ser fundido, faltou chumbo para completar a outra perna. Mas o soldadinho perneta logo aprendeu a ficar em pé sobre a única perna e não fazia feio ao lado dos irmãos. Chegou o dia em que a caixa foi dada de presente de aniversário a um garoto. Foi o presente de que ele mais gostou. E colocou os soldados enfileirados sobre a mesa, ao lado dos outros brinquedos. O soldadinho de uma perna só era o último.
Ao lado do pelotão de chumbo se erguia um lindo castelo de papelão, um bosque de árvores verdinhas e, em frente, havia um pequeno lago feito de um pedaço de espelho.
A maior beleza, porém, era uma jovem que vestia uma saia de tule rosa bem franzida e uma blusa bem ajustada. Seu lindo rostinho era emoldurado por longos cabelos presos por uma tiara enfeitada com uma pequenina pedra azul. Era uma bailarina, por isso mantinha o braço erguido sobre a cabeça e uma perna no ar. O soldadinho a olhou longamente e logo se apaixonou, pensando que, tal como ele, aquela jovem tivesse uma perna só.
À noite, antes de deitar, o menino guardou os soldadinhos na caixa, mas esqueceu daquele de uma perna só caído atrás de uma caixa. Quando os ponteiros do relógio marcaram meia-noite, todos os brinquedos se animaram e começaram a aprontar uma enorme bagunça! Mas o soldadinho de uma perna só não conseguia parar de olhar para a bailarina.
Então se ergueu da caixa um homenzinho muito mal-encarado. Era um gênio ruim, que só vivia pensando em maldades. Assim que ele apareceu, todos os brinquedos pararam amedrontados. O gêniozinho olhou à sua volta e viu o soldadinho, deitado atrás da cigarreira.
— Ei, você aí, por que não está na caixa, com seus irmãos? — gritou o monstrinho. — Amanhã vou dar um jeito em você, você vai ver!
Na manhã seguinte, o menino arrumou todos os soldadinhos perto da janela. O perneta, como de costume, era o último da fila. De repente, a veneziana se abriu, bateu um vento forte. Teria sido o gêniozinho maldoso? O pobre soldadinho voou pela janela enquanto caía um verdadeiro temporal. Quando o céu limpou, chegaram dois moleques. Eles se divertiam, pisando com os pés descalços nas poças de água. Um deles viu o soldadinho de chumbo e exclamou:
— Olhe! Um soldadinho! Será que alguém jogou fora porque ele está quebrado?
— É, está um pouco amassado. Deve ter vindo com a enxurrada.
— Sabe de uma coisa? Vamos colocá-lo num barco e mandá-lo dar a volta ao mundo.
Construíram um barquinho com uma folha de jornal, colocaram o soldadinho dentro dele e soltaram o barco para navegar na água que corria pela sarjeta. Apoiado em sua única perna, o soldadinho de chumbo procurava manter o equilíbrio. O barquinho dava saltos e esbarrões na água lamacenta, acompanhado pelos olhares dos dois moleques que, entusiasmados com a nova brincadeira, corriam pela calçada ao lado.
Lá pelas tantas, o barquinho foi jogado para dentro de um bueiro e continuou seu caminho, em uma imensa escuridão. De repente apareceu um enorme rato de esgoto, com olhos fosforescente e um horrível rabo fino e comprido. Com o coração batendo fortemente, o soldadinho voltava todos seus pensamentos para a bailarina, que talvez nunca mais pudesse ver. Mas o barquinho continuou seu caminho, arrastado pela correnteza. Enfim, o soldadinho viu ao longe uma luz, e respirou aliviado. A água do esgoto chegara a um rio com um grande salto, as ondas agitadas viraram o frágil barquinho de papel e o soldadinho de chumbo afundou.
Mal tinha chegado ao fundo, apareceu um enorme peixe que, abrindo a boca, engoliu-o.
O soldadinho se viu novamente numa imensa escuridão, espremido no estômago do peixe. E não deixava de pensar em sua amada: “O que estará fazendo agora minha linda bailarina? Será que ainda se lembra de mim?” Passou-se muito tempo — quem poderia dizer quanto? E, de repente, a escuridão desapareceu.
Sabem o que tinha acontecido? O peixe havia sido fisgado por um pescador, levado ao mercado e vendido a uma cozinheira. E, por um cúmulo de coincidência, não era qualquer cozinheira, mas sim a que trabalhava na casa do menino que ganhara o soldadinho no aniversário! Ao limpar o peixe, a cozinheira encontrara dentro dele o soldadinho, do qual se lembrava muito bem, por causa daquela única perna. Lavou-o com água e sabão e o levou para o garotinho, que fez a maior festa ao revê-lo. Limpinho e lustroso, o soldadinho foi colocado sobre a mesma mesa em que estava antes. Nada estava mudado: o castelo de papel, o pequeno bosque de árvores muito verdes, o lago reluzente feito de espelho. E, na porta do castelo, lá estava ela, a bailarina, mais bela do que nunca.
O soldadinho olhou para a bailarina, ainda mais apaixonado, ela olhou para ele. Ele desejava conversar, mas não ousava. Sentia-se feliz apenas por estar novamente perto dela. Se pudesse, ele contaria toda sua aventura; com certeza a linda bailarina iria apreciar sua coragem. Quem sabe, até se casaria com ele… De repente — é caso de se pensar se o gêniozinho ruim não metera seu nariz outra vez —, o soldadinho de chumbo voou para a lareira, onde o fogo ardia intensamente. O pobre soldadinho sentiu um forte calor. A sua única perna estava amolecendo, as belas cores do uniforme, o vermelho escarlate da túnica e o azul da calça perdiam suas tonalidades. O soldadinho lançou um último olhar para a bailarina, que retribuiu com silêncio e tristeza. Ele sentiu então que seu coração de chumbo começava a derreter. Naquele momento, a porta escancarou-se com violência, e uma rajada de vento fez a bailarina voar diretamente para a lareira, bem junto ao soldadinho. Bastou uma labareda e ela desapareceu. O soldadinho também se dissolveu completamente.
No dia seguinte, a arrumadeira, ao limpar a lareira, encontrou no meio das cinzas um pequenino coração de chumbo: era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande amor. Da pequena bailarina só restou a minúscula pedra azul da tiara, que antes brilhava em seus longos cabelos.




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