sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Os Dois Irmãos



OS DOIS IRMAOS – Hans Christian Andersen


Numa das ilhas da Dinamarca, onde os túmulos dos vikings ainda sobressaem entre os trigais, à sombra das faias gigantescas, existe uma cidadezinha de casas baixas, com telhados vermelhos. Numa delas estavam acontecendo coisas muito estranhas. Em tubos de vidro, líquidos eram fervidos e destilados, enquanto ervas diversas eram esmagadas e reduzidas a pó em grandes almofarizes. Todo esse trabalho estava sendo feito por um homem já de certa idade.
- É preciso procurar a verdade – dizia ele, - pois ela pode ser encontrada em tudo o que existe, e sem ela nada pode ser realizado.
Na sala de estar, sentavam-se sua mulher e seus dois filhos. Ainda eram crianças, mas tinham ideias de adulto. A mãe já lhes tinha falado sobre a importância do certo e do errado, e eles sabiam a diferença entre um e outro. Falara também da verdade, definindo-a como sendo “o reflexo da face de Deus”.
O irmão mais velho era falante e brincalhão. Gostava de ler livros sobre a natureza e a ciência. Dava-lhe maior prazer a leitura de assuntos sobre o sol e as estrelas, que a de um conto de fadas. Como seria maravilhoso se pudesse tornar-se um explorados, ou estudar o voo dos pássaros, aprendendo com eles a também voar. “Sim”, pensava, “meu pai e minha mãe estão certos: as leis da natureza são verdadeiras, porque foram criadas por Deus”.
O irmão mais novo era mais sossegado. Também gostava de livros, lendo-os com avidez. Quando leu na Bíblia como foi que Jacó, usando de um estratagema, obteve para si o direito de primogenitura, tirando-o de Esaú, ficou revoltado, cerrando os punhos de raiva. Sempre que deparava com a narrativa de atos de tirania, crueldade e injustiça, seus olhos se enchiam de lágrimas.
A Justiça e a Verdade guiavam seus pensamentos. Certa noite, ao se deitar, mesmo estando com sono, resolveu prosseguir a leitura que havia interrompido pouco antes, aproveitando a luz que a cortina entreaberta deixava passar. Estava lendo um livro que narrava a história de Sólon.
Deixando-se levar pela imaginação, empreendeu uma estranha viagem. A cama transformou-se num barco, pondo-se a flutuar sobre um mar imenso. Ele não sabia se tudo aquilo seria verdade, ou se não passaria de um sonho. O barco singrou pelo oceano do tempo, levando-o à época de Sólon, no momento em que um arconte discursava. Embora ele falasse numa língua estrangeira, o menino compreendeu perfeitamente suas palavras, ouvindo-o citar uma frase que tantas vezes já escutara em seu país:
- Uma nação deve ser construída sobre o alicerce da Lei!
Nesse instante, o Gênio da Humanidade entrou no quarto daquela casinha modesta, beijou a fronte do menino e disse:
- Não lhe faltarão bravura e força para enfrentar a batalha da vida. E que sua existência represente um voo rumo à Terra da Verdade.
O irmão mais velho ainda não tinha ido para a cama. Estava parado junto à janela, contemplando os campos encobertos por uma ligeira neblina. Uma velha tinha-lhe dito certa vez que a neblina era produzida pelos elfos, pois eles gostavam de dançar a noite, levantando poeira do chão.  Mas o garoto não lhe deu ouvidos; sabia que aquilo não passava de um fenômeno natural, produzido pelo calor, que fazia evaporar a água contida na terra. Ao ver uma estrela cadente, deixou que sua mente se desprendesse, voando até aquele meteoro em chamas. As estrelas cintilavam e piscavam, como se estivessem ligadas à terra por fios de ouro.
“Venha para cá”, chamou-o o pensamento. Rápido como um raio, ele subiu para o espaço, onde se concentra a luz do universo. De lá avistou a Terra a girar, cercada pela delgada camada de ar, e as grandes cidades, que agora pareciam tão perto uma das outras. “Não importa que estejam longe ou perto”, pensou, “mas sim que tenham sido erguidas por obra do Gênio da Humanidade”.
Ei-lo de novo postado à janela, enquanto seu irmão mais novo por fim adormeceu. Contemplando-o com ternura, a mãe murmurou seus nomes:
- Anders e Christian!
A Dinamarca conhece bem esses dois irmãos, e sua fama já se espalhou por todo o mundo: são os irmãos Oersted!



Bordado por: Zélia Melo
Conto: Os Dois Irmãos
Autores: Irmãos Grimm
Desenho: Murilo Pagani
55(31)99984-5072

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